30 de novembro de 2008

Café


Nunca postei piadas aqui, meu povo.. mas essa é a minha cara:

Dois leões fugiram de um circo armado , nas proximidades da Esplanada dos Ministérios.

Um fugiu para o cerrado e não encontrando o que comer desistiu da fuga e se entregou, faminto, ao Zoológico em menos de uma semana.

Um ano após, o segundo leão foi capturado e levado também para o zoológico. Chegou lá aparentando boa saúde e muito gordo.

O primeiro leão logo foi perguntando:
--- Vejo que estavas numa boa. Como sobrevivestes e como se deu a tua prisão?
--- Realmene estava numa boa. Entrei num ministério, escondi-me atrás de uns arquivos e sempre que sentia fome comia um funcionário público e ninguem sentia falta do desaparecido. Mas fui imprudente e cometi um grande erro: --- Um dia comi o cara que servia cafezinho e todos sentiram a falta dele. Na procura dele, me encontraram.

A arrogância dos neófitos


[
Antonio Ozaí da Silva, em "Café História"]

Não fecho os olhos e silencio diante da arrogância titulada. A postura arrogante na docência é agravada pelo doutorismo e outros títulos acadêmicos. As relações humanas no espaço acadêmico são, também, relações de poder. O poder docente, investido e legitimado pela instituição burocrática, nem sempre é praticado responsavelmente. A atitude arrogante é a sua face perversa, cujas vítimas são, em geral, os acadêmicos (mas também os funcionários, em especial os que desempenham as funções mais simples). Essa prática caminha pari passu com o autoritarismo.

Contudo, a arrogância campeia livremente e não é exclusiva dos titulados nem do campus. O fetiche do diploma apenas a agrava, na medida em que expande o seu raio de ação e, portanto, as possibilidades de privilegiar ou prejudicar os outros. A vaidade e as atitudes arrogantes parecem inerentes ao ser humano e se manifestam em qualquer idade ou espaço. Meninos e meninas mimados são geralmente prepotentes; determinados indivíduos, educados por valores de distinção vinculados ao grupo social que pertencem, são arrogantemente preconceituosos.

Tudo isso é muito humano e... irritante! Como também é exasperador as manifestações de arrogância observáveis entre os neófitos. Leitores de um livro só, de um único autor, consideram-se suficientemente “sábios” para criticar aqueles que não comungam das idéias que “pescaram” em tais leituras e adotam como verdades absolutas. Recusam-se, consciente ou inconscientemente, a ouvir a crítica; se é solicitado que analisem o pensamento oposto ao que acreditam ser a verdade, valem-se do discurso ideológico sem a preocupação de compreender. Em alguns casos, é suficiente os slogans e alguns conceitos memorizados para se acreditarem capazes e com o direito de desqualificarem os outros. Falta-lhes a humildade intelectual necessária para aprender e dialogar criticamente. Agem religiosamente, como os que se fundamentam no “livro sagrado” e não admitem a dúvida. Estes acadêmicos, a bem da verdade, seguem os exemplos de cima. Arrogantes ensinam a arrogância, ainda que travestida de ideologia!

Mas também há o arrogante ingênuo. Diferente do “ideológico” que se espelha no ideário do “profeta maior” e acredita piamente que representa o bem contra o mal e cumpre uma “missão” pelo bem da humanidade, o ingênuo age por vaidade apenas porque se acha inteligente. É um abençoado! Nessa ilusão de si mesmo, a leitura de fragmentos da obra de um autor específico, mais o que ouviu aqui e acolá, é-lhe suficiente para considerar-se quase que um gênio capaz de sobrepor-se ao clássico. Embevecido, não vê o ridículo da situação e descarta a atitude de humildade perante o conhecimento humano, fundamento necessário para o aprendizado e o diálogo crítico.

Quanto mais leio, mais me convenço de que sei muito pouco; que o meu saber é uma gota d’água no oceano do conhecimento universal humano. Quanto mais vivo, mais me admiro com a arrogância de certos jovens acadêmicos, pirralhos que mal sabem pronunciar frases articuladas e com sentido, e outros de qualquer idade, cuja verborragia ostentatória, pedante e superficial confundem com saber. Falam como se fossem os mais inteligentes de todo o universo. Também é exasperante a arrogância militante dos neófitos que agem como discípulos dos “profetas” maiores e menores, como papagaios a repetirem slogans e verdades “sagradas” que configuram um discurso ideológico auto-suficiente e tipicamente religioso. Apesar de tudo, tento compreendê-los e ser paciente. Afinal: “Homo sum, humani nihil a me alienum puto” (Sou homem, nada do que é humano me é estranho).


23 de novembro de 2008

Miedo *



{Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis}

Tienen miedo del amor y no saber amar | Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz | Tienen miedo de pedir y miedo de callar | Miedo que da miedo del miedo que da

Tienen miedo de subir y miedo de bajar | Tienen miedo de la noche y miedo del azul | Tienen miedo de escupir y miedo de aguantar | Miedo que da miedo del miedo que da

El miedo es una sombra que el temor no esquiva | El miedo es una trampa que atrapó al amor | El miedo es la palanca que apagó la vida | El miedo es una grieta que agrandó el dolor

Tenho medo de gente e de solidão | Tenho medo da vida e medo de morrer | Tenho medo de ficar e medo de escapulir | Medo que dá medo do medo que dá

Tenho medo de acender e medo de apagar | Tenho medo de esperar e medo de partir | Tenho medo de correr e medo de cair | Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma linha que separa o mundo | O medo é uma casa aonde ninguém vai | O medo é como um laço que se aperta em nós | O medo é uma força que não me deixa andar

Tienen miedo de reir y miedo de llorar | Tienen miedo de encontrarse y miedo de no ser | Tienen miedo de decir y miedo de escuchar | Miedo que da miedo del miedo que da

Tenho medo de parar e medo de avançar | Tenho medo de amarrar e medo de quebrar | Tenho medo de exigir e medo de deixar | Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia | O medo é uma armadilha que pegou o amor | O medo é uma chave, que apagou a vida | O medo é uma brecha que fez crescer a dor

El miedo es una raya que separa el mundo | El miedo es una casa donde nadie va | El miedo es como un lazo que se apierta en nudo | El miedo es una fuerza que me impide andar

Medo de olhar no fundo | Medo de dobrar a esquina | Medo de ficar no escuro | De passar em branco, de cruzar a linha | Medo de se achar sozinho | De perder a rédea, a pose e o prumo | Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão | O medo circulando nas veias | Ou em rota de colisão | O medo é do Deus ou do demo | É ordem ou é confusão | O medo é medonho, o medo domina | O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara | Medo de encarar | Medo de calar a boca | Medo de escutar | Medo de passar a perna | Medo de cair | Medo de fazer de conta | Medo de dormir | Medo de se arrepender | Medo de deixar por fazer | Medo de se amargurar pelo que não se fez | Medo de perder a vez

Medo de fugir da raia na hora H | Medo de morrer na praia depois de beber o mar | Medo... que dá medo do medo que dá | Medo... que dá medo do medo que dá.

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* Meu atual estado de espírito...

O vôo do pássaro habitava-o mais


De repente, ouviu que, para consolá-lo, combinavam maneira de pegar o tucano: com alçapão, pedrada no bico, tiro de espingardinha na asa. Não e não! - zangou-se, aflito. O que cuidava, que queria, não podendo ser aquele tucano, preso. Mas a fina primeira luz da manhã, com, dentro dela, o vôo exato.


[os cimos - o trabalho do pássaro - primeiras estórias - joão guimarães rosa]

20 de novembro de 2008

Pérolas de Italo Breno - Parte I

"Seus olhos são de flores" *


[palavras de Ítalo Breno sobre Amanda Teixeira]



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* Ítalo Breno é meu primo-poeta preferido. Ele é a única pessoa que consegue me tirar do quarto quando eu estou com vontade de ver o mundo explodir. À companhia dele não me furto, nunca. Adoro contar historinhas pra ele e ouvi-lo contando outras, muito lindas, com palavras difíceis. Ele parece a "Breijeirinha" da "Partida do Audaz Navegante", ou a Nhinhinha de "A Menina de Lá". Um dia vai se tornar escritor, tenho certeza. Mas, por enquanto, é apenas meu "menino muito branco", que conjuga verbos melhor que o Chico no verso "agora eu era herói". Ítalo, aos 3 anos, sabe bem que o passado se repete, que o tempo muitas vezes é cíclico. E com a sabedoria das crianças, me conta como era tudo "quando foi amanhã...".

19 de novembro de 2008

Se eu seria personagem


[Guimarães Rosa]


Sou antigo. Onde estão os cocheiros e os arcediagos?

Vou ao que me há de vir, só, só, próprio (...). O tempo é que é a matéria do entendimento (...). O amor não pode ser construidamente.

A hora se fazia pelo deve & haver dos astros, não aliás e talvez. Tanto sabe é quem manda; e fino o mandante.

Sim sofri; como o músico atrás dos surdos ou o surdo atrás dos dançantes.

O amor se faz é graças a dois.

Sua minha alma (...). De dom, viera, vinha, veio-me, até mim. Da vida sem idéia nem começo (...).

Tem-se de a algum general render continência.

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17 de novembro de 2008

16 de novembro de 2008

A Força da Fraqueza


As coisas mais fracas do mundo podem superar as coisas mais fortes do mundo.
Nada no mundo pode ser comparado com a água por sua fraqueza e natureza submissa; no entanto, para atacar o rijo e o forte, nada se mostra melhor do que ela. Pois não há outra alternativa para isso.
O fraco pode vencer o forte e o submisso pode sobrepujar o rijo.
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[A Essência do Taoísmo - Lao Tze e Chuang Tze, pág. 32 de uma edição (e tradução) medonha da Ediouro - 1985 - que pertencia a uma biblioteca espoliada e veio parar na minha mão (junto d'as Flores do Mal bilingüe e de um volume d'a Divina Comédia com gravuras de Doré e tradução de Cristiano Martins!) graças a uns vendedores de livros que encontrei no Piauí]

One Art


[Elizabeth Bishop]


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

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(imagem de "A Liberdade é Azul")


15 de novembro de 2008

Desacontecimentos de APR - parte II



O desacontecimento e as escrituras do eu


{Antonio Paulo Rezende}


A palavra não existe só porque é dita. Veste-se de significados, para poder ir para o mundo.

A solidão é primeiro caminho da identidade, dentro do reino da autonomia. Quantas vezes nos olhamos nos espelhos com medo que fujamos de nós mesmos? Quantas janelas já abrimos desconfiados da luz intensa que nos chama para vida e da tristeza que leva para dentro de nós mesmos decifrações sem as quais seríamos abismos?

O poeta busca construir uma história, encurralado pelos enigmas das solidões que se instituem. A distância física não esconde um cenário musical que se conjugaria com muitas composições de Philip Glass. A linearidade não se sustenta, sucumbe às manifestações da sensibilidade.

O retorno das coisas e das gentes, através das viagens da memória, divaga sobre o que está aceso nas constelações dos mistérios do mundo.

A linearidade é o sinal de tempo burocrático, desfalcado da delicadeza do sentimento. Ela cabe nos calendários oficiais, no fôlego das produções massivas de mercadorias, na disciplina inibidora e autoritária. Não é desnecessária para efetivação da sociabilidade, mas não pode ser hegemônica.

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14 de novembro de 2008

Desacontecimentos de APR - parte I

O desacontecimento e as escrituras do eu

{Antonio Paulo Rezende}


(Há dias que sinto a companhia de Éluard, Breton, Guimarães)

O que faz morrer é o esquecimento do toque, a profundidade do abismo, o excesso de luz ou de labirintos.

O historiador encontra-se, diante de tantas invenções, cercado de fontes riscadas nas dobras
do seu corpo.

A virtualidade muda conceitos, identifica a sedução de uma economia da troca impossível, não apenas de mercadorias, mas também de afetos.

“Não leias. Olha as figuras brancas desenhadas pelos
intervalos separando as palavras de várias linhas e inspira-te nelas” (Breton e Éluard)

A separação das coisas, dos corpos, dos sentimentos é uma quebra que não se completa na secura dos fatos, mas que se estende nas passagens simultâneas do eu pelas muitas escritas que o representam.

Minha ponte são os traços da memória, do que foi vivido e sobrevive.

"Quem nos desviou assim, para que tivéssemos um ar de despedida em tudo que fazemos?”(Rilke)

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Talismã


[Wally Salomão]

Minha boca saliva porque eu tenho fome...
E essa fome é uma gula voraz que me traz cativa
Atrás do genuíno grão da alegria
Que destrói o tédio e restaura o sol
No coração do meu corpo um porta-jóia existe
Dentro dele um talismã sem par...
Que anula o mesquinho, o feio e o triste
Mas que nunca resiste a quem bem o souber burilar
Sim, quem dentre todos vocês
Minha sorte quer comigo gozar?
Minha sede não é qualquer copo d´água que mata...
Essa sede é uma sede que é sede do próprio mar
Essa sede é uma sede que só se desata
Se minha língua passeia sobre a pele bruta da areia
Sonho colher a flor da maré cheia vasta
Eu mergulho e não é ilusão
Não, não é ilusão!
Pois da flor de coral trago no colo a marca
Quando volto triunfante com a fronte
Coroada de sargaço e sal
Sim, quem dentre todos vocês
Minha sorte quer comigo gozar?
Sim, quem dentre todos vocês
Minha sorte quer comigo gozar?

[imagem: Chema Madoz]
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13 de novembro de 2008


Caetano Veloso
2006

-

Não me arrependo *

eu não me arrependo de você
cê não me devia maldizer assim
vi você crescer
fiz você crescer
vi cê me fazer crescer também
pra além de mim

não, nada irá nesse mundo
apagar o desenho que temos aqui
nem o maior dos seus erros,
meus erros, remorsos, o farão sumir
vejo essas novas pessoas
que nós engendramos em nós
e de nós
nada, nem que a gente morra,
desmente o que agora
chega à minha voz.

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Deusa urbana *

com você eu tenho medo de me apaixonar
eu tenho medo de não me apaixonar
tenho medo dele, tenho medo dela
os dois juntos onde eu não podia entrar

com você eu tenho mesmo de me conformar
eu tenho mesmo de não me conformar
sexo heterodoxo, lapsos de desejo
quando eu vejo o céu desaba sobre nós

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Porquê? *

estou me a vir
e tu como é que te tens por dentro?
porquê não te vens também?


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* Quem disse que Caetano não presta mais?

12 de novembro de 2008

De Ruanda (A Herba de Namorar)


[Luar na Lubre]


En mi jardín hay una flor
la más bonita no tiene olor¹
y si lo tiene yo no lo sé
vente conmigo y te lo diré.

En mi jardín te vi correr
tu no miraste, yo te miré
y si me viste yo no lo sé
dime morena lo he de saber.

Teño unha herba de namorar²
teño pensado quen á levar
na faltriqueira heicha de poñer
para namorarte a ti muller ³

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¹ Isso comprova a pior 'anti-romanticidade'
cientificamente comprovada do mundo (que Lucas
fez questão de expôr): as flores bonitas
e grandes não têm cheiro. É tudo ilusão...
² Eu sei a quem levar!
³ Gente, eu sou hetero! Invertam a música e fica tudo bem.
Ela é tão linda.. música não tem sexo, oras!

11 de novembro de 2008

Um índio *


[Caetano Veloso]

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante

Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá

Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico

Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

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* Para lembrar e agradecer a Patrícia e Lucas pelo carinho, a generosidade e os dias felizes que nos proporcionaram em Recife...