31 de janeiro de 2009

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Se todos fossem ficando tristes, mais tristes, todos se acabavam em ruindade (...). Alegria tinha que ser chamada à força. Era preciso chamar a alegria, como se chama a chuva, na desgraça ou numa seca demorada.


João Guimarães Rosa

28 de janeiro de 2009

Final Feliz


[fofíssimo luiz tatit]

Deu adeus para os seus, acenou para os meus. Sempre se despedia, sempre. Mas não partia. Não... até esse dia! Juntou tudo que tinha, fez aquela trouxinha na ponta de uma varinha e seguiu pela linha do trem.

Com seu jeitinho meio infantil foi diminuindo, até que sumiu. Nesse momento bateu um frio glacial: gelei geral. Nunca imaginei que fosse de vez, nem que isso fizesse o mal que me fez. Não sei o que de repente me deu... mas lá fui eu!

Dei adeus para os meus, acenei para os seus. Fiz o que me cabia. Foi uma ação tardia, sim. Mas chegou o dia! Juntei tudo que tinha, fiz uma mochilinha menor que a sua trouxinha e segui pela linha do trem.

Fui assim, sem esperança nenhuma. Fui chutando pedras uma por uma. E quando já pensava que a gente sempre acostuma afinal... gelei geral! Estava lá você bem no fim da linha, com a cara de quem já sabia que eu vinha e preparava aquilo que sempre quis: Final feliz!


Fim

22 de janeiro de 2009

Mal Secreto


[Jards Macalé]

Não choro,

Meu segredo é que sou rapaz esforçado,
Fico parado, calado, quieto,
Não corro, não choro, não converso,
Massacro meu medo,
Mascaro minha dor,
Já sei sofrer.
Não preciso de gente que me oriente,
Se você me pergunta
Como vai?
Respondo sempre igual,
Tudo legal,
Mas quando você vai embora,
Movo meu rosto no espelho,
Minha alma chora.
Vejo o rio de janeiro
Comovo, não salvo, não mudo
Meu sujo olho vermelho,
Não fico calado, não fico parado, não fico quieto,
Corro, choro, converso,
E tudo mais jogo num verso
Intitulado
Mal secreto.

21 de janeiro de 2009

Que eu canse e descanse


[Marcos Valle]


Deixa / Que eu fique / Toda esta noite / E que eu viaje / Em teu corpo / Que nele / Eu canse / E descanse

Ah / Se tu soubesses / Que sem saber / Que existias / Em cada amante / Eu te via / Em cada amor / Te queria / Minha / Toda minha

Que bom saber / Que existes / Que bom saber /Que és gente / Que o teu corpo / Difere / Do meu corpo

E se assim / Não fosse / Nada em mim / Mudaria / Eu te amo tanto / E amaria / Da forma / Que tu viesses / Ou tivesses mais

Não deixes / Que eu fique além / Desta noite / Guarda teu corpo / Do dia / Pra que não canse / Ou descanse / Ah / Se tu souberes / Se tu souberes

18 de janeiro de 2009

Mais vanguarda que nunca! Waly Salomão

AMANTE DA ALGAZARRA

Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela !!!
Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.

Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro
Vixe!!!
Enquanto caminho a pé, pedestre -- peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.

Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.

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CANTO DE SEREIA

(Primeiro Movimento)
...
Tapar os ouvidos com cera ou chumbo derretido.
Construir uma fortaleza de aço blindado em volta de si.
O próprio corpo produzir uma resina que feche os poros,
como o própolis faz nas fendas dos favos de mel.
...
(Segundo Movimento)
...
A flor de estufa
salta a cerca
para luzir no mangue.
E se empenha de fulano, sicrano e beltrano.
Sua vida atual reverbera vozes pretéritas,
adivinha vozes futuras.
...
Sua obsessão:
Que Eco se transforme em Narciso,
Que Eco se metamorfoseie em fonte.
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MINHA ALEGRIA

minha alegria permanece eternidades soterrada e só sobe para a superfície através dos tubos alquímicos e não da causalidade natural. ela é filha bastarda do desvio e da desgraça, minha alegria:
um diamante gerado pela combustão, como rescaldo final de um incêndio.

...

17 de janeiro de 2009

Maré



três

Foi grande o meu amor
Não sei o que me deu
Quem inventou fui eu
Fiz de você o Sol
Da noite primordial
E o mundo fora nós
Se resumia a tédio e pó
Quando em você tudo se complicou

(...)

Eu quero tudo que há
O mundo e seu amor
Não quero ter que optar
Quero poder partir
Quero poder ficar
Poder fantasiar
Sem nexo e em qualquer lugar
Com seu sexo junto ao mar..

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teu nome mais secreto [wally salomão]

Só eu sei teu nome mais secreto
Só eu penetro em tua noite escura
Cavo e extraio estrelas nuas
De tuas constelações cruas

Abre–te Sésamo! – brado ladrão de Bagdá

Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada.

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onde andarás

Onde andarás nesta tarde vazia
Tão clara e sem fim
Enquanto o mar bate azul em Ipanema
Em que bar, em que cinema
Te esqueces de mim?

(...)

Perdi meu amor
E é por isso que eu saio pra rua
Sem saber pra quê
Na esperança talvez de que o acaso
Por mero descaso
Me leve a você

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7 de janeiro de 2009

Explicações de Ítalo Breno



Eis que encontro meu menino-muito-branco, Ítalo Breno, 4 anos, "bicando" a parede do quintal com o nariz.

- Que foi, Ítalo? Virou Pica-pau?
- Sim!
- Falta o cabelo vermelho, Ítalo.
- É que eu sou um pica-pau inglês.

3 de janeiro de 2009

Mais vanguarda, Jards Macalé (e Capinan)

Movimento dos barcos

Não quero ficar dando adeus
As coisas passando, eu quero
É passar com elas, eu quero
E não deixar nada mais
Do que as cinzas de um cigarro
E a marca de um abraço no seu corpo

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2 de janeiro de 2009

Meu lado vanguarda...


A noite me pinga
uma estrela no olho
e passa.

Paulo Leminski

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INCENSO FOSSE MÚSICA

isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

Paulo Leminski

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1 de janeiro de 2009

Um moço muito branco: encantado/nature boy




Era um rapaz
Estranho e encantador rapaz
Ouvi que andara a viajar, viajar
Toda a terra e o mar
Menino só e tímido
Mas sábio demais.

Eis que uma vez
Num dia mágico o encontrei
E ao conversarmos lhe falei
Sobre os reis, sobre as leis, e a dor
E ele ensinou
Nada é maior que dar amor
E receber de volta o amor.

or

[Eden Ahbez]

There was a boy
A very strange, enchanted boy
They say he wondered very far
Very far, over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he

And then one day,
One magic day he passed my way
While we spoke of many things
Fools and Kings
This he said to me:

The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return.
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* Só hoje notei o quanto essa música se encaixa (fits on) num dos meus contos preferidos do Guima, "um moço muito branco". É assustador. Eu poderia dizer que foi escrita pensando nele. Já adorava a "Nature Boy" na voz do Vinicius, num cd especial sobre os 90 anos dele. Hoje escutei o Caetano cantando no Pipoca Moderna e me veio este insight. O moço muito branco do Rosa é um extraterrestre muito delicado e sábio que, sem uma palavra, muda a vida de toda uma cidade. E ensina a mesma lição do "Encantado". A propósito, boa tradução pra "Nature Boy". Não sei quem fez a versão e deu o título, mas deve ter sido alguém que leu Mircea Eliade. rsrs