20 de agosto de 2011

É hoje


 
 
 
É hoje: todo o ontem foi caindo
entre os dedos de luz e olhos de sonho,
amanhã chegará com passos verdes:
ninguém detém o rio da aurora.
 
[Neruda]

 
 

8 de agosto de 2011

"mas não era seu corpo que doía; era sua alma que sofria, e sua alma eu não conseguia alcançar"

 É tão verdadeiro como terrível que, até certo ponto, a idéia ou a visão do sofrimento traz à tona nossos melhores sentimentos, mas, em alguns casos especiais, isso pára de ocorrer quando esse ponto é ultrapassado. Engana-se quem diz que isso se deve invariavelmente ao egoísmo inerente ao coração humano. Provém, antes, de uma certa desesperança de curar uma doença orgânica e grave. Para um ser sensível, a piedade não raramente se converte em dor. E quando se percebe finalmente que tal piedade não leva a um auxílio eficaz, o bom senso obriga a alma a livrar-se dela.

[Herman Melville, em "Bartleby, o escriturário"]

3 de agosto de 2011

i'm waiting for the day



I know you cried, and you felt blue
But when I could I gave strength to you
I'm waiting for the day when you can love again


da canção dos beach boys: http://www.youtube.com/watch?v=89ebJ0LFn4o



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9 de julho de 2011

Agora eu era linda outra vez


agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor


[valter hugo mãe]

2 de julho de 2011

Qualquer amorzinho



"Qualquer amorzinho (pré) enche (hediondos/formidáveis) abismos".



Manuscritos de Guimarães Rosa
(roubado do blog de Camila Rodrigues)

1 de junho de 2011

Palavras são rótulos


Eis que o espírito que pairava sobre a água do aquário perguntou ao aprendiz de filósofo, Já pensaste se a morte será a mesma para todos os seres vivos, sejam eles animais, incluindo o ser humano, ou vegetais, incluindo a erva rasteira que se pisa e a sequoiadendron giganteum com os seus cem metros de altura, será a mesma morte que mata um homem que sabe que vai morrer, e um cavalo que nunca o saberá. E tornou a perguntar, Em que momento morreu o bicho-da-seda depois de se ter fechado no casulo e posto a tranca à porta, como foi possível ter nascido a vida de uma da morte da outra, a vida da borboleta da morte da lagarta, e serem o mesmo diferentemente, ou não morreu o bicho-da-seda porque está vivo na borboleta. O aprendiz de filósofo respondeu, O bicho-da-seda não morreu, a borboleta é que morrerá, depois de desovar, Já o sabia eu antes que tu tivesses nascido, disse o espírito que paira sobre as águas do aquário, o bicho-da-seda não morreu, dentro do casulo não ficou nenhum cadáver depois da borboleta ter saído, tu o disseste, um nasceu da morte do outro, Chama-se metamorfose, toda a gente sabe de que se trata, disse condescendente o aprendiz de filósofo, Aí está uma palavra que soa bem, cheia de promessas e certezas, dizes metamorfose e segues adiante, parece que não vês que as palavras são rótulos que se pegam às cousas, não são as cousas, nem sequer que nomes são na realidade os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais do que isso, os nomes que lhes deste...
(Saramago, em "As Intermitências da Morte")
imagem: Tarkovsky

16 de maio de 2011

chuvas de verão



Podemos ser amigos simplesmente
Coisas do amor nunca mais
Amores do passado, no presente
Repetem velhos temas tão banais
Ressentimentos passam com o vento
São coisas de momento
São chuvas de verão

Trazer uma aflição dentro do peito
É dar vida a um defeito
Que se extingue com a razão


[canção de Fernando Lobo]
imagem: Parkeharrison 

6 de maio de 2011

chanson pour que tu m'aime un peu

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Je ne demande pas que tu sois gentil pour moi dans la vie
Mais que tu m'aimes un peu
Je ne demande pas que tu me souris quand je suis jolie
Mais que tu m'aimes un peu

Car tu ne me vois pas et pourtant je suis la


[música cantada pela France Gall]

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24 de abril de 2011

Guia



[antonio zambujo]

Atravessei o oceano
Sem o teu amor de guia
Só o tempo no meu bolso
E o vento que me seguia

Venci colinas de lágrimas
Desertos de água fria
Tempestades de lembranças
Mas tu já não me querias mais, mais
Tu já não me querias mais

imagem: aldo sperber

11 de abril de 2011

i like my body / eu gosto do meu corpo*



i like my body when it is with your
body.  It is so quite new a thing.
Muscles better and nerves more.
i like your body.  i like what it does,
i like its hows.  i like to feel the spine
of your body and its bones,and the trembling
-firm-smooth ness and which i will
again and again and again
kiss,  i like kissing this and that of you,
i like,slowly stroking the,shocking fuzz
of your electric fur,and what-is-it comes
over parting flesh….And eyes big love-crumbs,
and possibly i like the thrill
of under me you so quite new

Poema de  e. e. cummings

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eu gosto do meu corpo
 
eu gosto do meu corpo quando está com o seu
corpo.  É uma coisa tão nova e viva.
Melhores músculos, nervos mais.
eu gosto do seu corpo e do que ele faz,
eu gosto dos seus comos.  de tatear as vért
ebras do seu corpo,a sua treme
-lisa-firmeza e que eu quero
mais e mais e mais
beijar, gosto de beijar issoeaquilo de você,
gosto de,lentamente golpeando o,choque
do seu velo elétrico,e o-que-quer-que freme
sobre a carne bipartida….E olhos migalhas
de amor grandes e acho que gosto de ver sob mim
você vibrar tão viva e nova assim

Tradução de Augusto de Campos

imagem: Sally Gall
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* Estou muito feliz porque vi no site da revista cult que finalmente serão lançados no Brasil os poemas de e.e. cummings (poeta que adoro e que anda pelas páginas desse blog há anos.

10 de abril de 2011

Ronda





De noite eu rondo a cidade
A lhe procurar, sem encontrar
No meio de olhares espio
Em todos os bares
Você não está...

Volto pra casa abatida
Desencantada da vida
O sonho, alegria me dá
Nele você está...


[de Paulo Vanzolini]
imagem: rose e charlie, de "two and a half men"

23 de março de 2011

Mesecina

 
Nema vise sunca
Nema vise meseca
Nema tebe, nema mene
Niceg vise, nema joj.
Pokrila nas ratna tama
Pokrila nas tama joj.
A ja se pitam moja draga
Sta ce biti sa nama?
Mesecina, mesecina,
joj, joj, joj, joj
Sunce sija ponoc bije,
joj, joj, joj, joj
Sa nebesa, zrak probija
Niko ne zna, niko ne zna
Niko ne zna, niko ne zna
Niko ne zna sta to sija

Tradução para o inglês: 

Moonlight

There is no more sun,
There is no more moon,
You are no more, I am no more.
There is nothing more... oh.
Darkness of war has covered us,
Darkness has covered us... oh.
And I wonder, my dear:
What will happen with us?
Moonlight, moonlight... oh-oh,
oh-oh.
Sun is shining, sun is
shining... oh-oh, oh-oh.
From above,it breaks through...
No one knows, no one knows,
No one knows, no one knows,
No one knows what is it that
 
imagem do filme "Underground - Mentiras de Guerra", de Emir Kusturica 
para ver a cena e ouvir a música, basta clicar no título deste post, "Mesecina"  

Minha Mulher


Quem vê assim pensa que você é muito minha filha
Mas na verdade você é bem mais minha mãe 

[Caetano Veloso]
imagem: Gregory Colbert

16 de março de 2011

quem gostou de mim



 Quem gostou de mim
Quando vejo agora
Não tem mais o jeito
De quem conheci
Não é mais quem eu vi
Não é nem mesmo a sombra
Do que foi
E nem se lembra
De nós dois

de Jonas Tatit e Luiz Tatit
imagem: Edward Hopper

14 de março de 2011

Lídia Ivánovna

A condessa Lídia Ivánovna deixara, havia muito, de estar apaixonada pelo marido, mas, desde então, nunca deixava de estar apaixonada por alguém. Apaixonava-se de repente por várias pessoas, homens e mulheres; em especial, se apaixonava por quase todas as pessoas de algum destaque. Apaixonava-se por todos os novos príncipes e princesas que se ligavam por matrimônio à família do tsar, apaixonou-se por um arcebispo, por um vigário e por um padre. Apaixonou-se por um jornalista, por três eslavófilos e por Komissárov; por um ministro, por um médico, por um missionário inglês e por Kariênin.

[Tolstói, em Ana Karenina, p. 503]

7 de março de 2011

Liévin Dmítrich

O problema de como viver havia apenas começado a se estabelecer, para ele, quando se apresentara um novo problema insolúvel -- a morte.

[Tolstói, Ana Kariênina, p. 346]
...

O mistério da morte mal tivera tempo de se desvendar diante de seus olhos, premanecendo indecifrável, quando irrompeu um outro, igualmente indecifrável, que o impelia a amar e a viver.


[Tolstói, Ana Kariênina, p. 497]

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3 de março de 2011

Bodas de Prata



Você fica deitada
De olhos arregalados
Ou andando no escuro de penhoir
Não adiantou nada
Cortar os cabelos e jogar no mar
Não adiantou nada o banho de ervas
Não adiantou nada o nome da outra
No pano vermelho pro anjo das trevas
Ele vai voltar tarde
Cheirando a cerveja
Se atirar de sapato na cama vazia
E dormir na hora murmurando "Dora"
E você é Maria
Você fica deitada com medo do escuro
Ouvindo bater no ouvido o coração descompassado
É o tempo Maria
Te comendo feito traça
Num vestido de noivado

[João Bosco / Aldir Blanc]