30 de maio de 2007

Assutava-a, qual fosse uma velhice, a insônia - aquela extensão sem nenhum tecido.

A noite dava para muitas coisas. E ela perdeu o acompanhamento do tempo: - "Estou no sertão... No sertão, longe de tudo..." - se compadeceu. Notou, de repente: estava chorando. Surpreendeu-se, e esperou; como se quisesse saber quanto as lágrimas sozinhas por si duravam de cair, como se elas fossem explicar-lhe algum motivo. E já estava triste - era uma tristeza que fosse muito sua, residindo em seus pés, em suas costas, suas pernas. Não tinha um lenço ao alcance, e enxugar os olhos nas costas da mão deu-lhe um nervoso de poder se rir. Debruçou-se. Cerrou as pálpebras - a noite era uma água. De estar só, completamente, tirou uma esquisita segurança. E foi como o abrir-se de outros olhos, agudo uma pontada. "Eu gosto dele porque ele me deixou... Não tenho brio..."

{Lalinha, sobre Irvino, a noite e o sertão: fala pelas mãos encantadas de João Guimarães Rosa, no segundo volume do Corpo de Baile - ediçãozinha comemorativa que fizeram pro tio João há pouco tempo. 2006. O trecho li(n)do tá no fim da página 724 e pega o comecinho da 725, durante a estória "Buriti", onde reencontramos o Miguilim de Campo Geral.

obs.: As regras da ABNT não são bonitas. Portanto, não são úteis}

24 de maio de 2007

Narciso e Eco

{...} Então, quando ela viu Narciso andando sem destino pelos campos, e se apaixonou, seguiu-lhe os passos furtivamente; quanto mais o segue, mais se aquece ao calor da chama, do mesmo modo que o inflamável enxofre, com que se reveste a extremidade das tochas, se queima ao aproximar-se do fogo. Quantas vezes ela quis aproximar-se, com palavras carinhosas, e dirigir-lhe ternas súplicas! Sua natureza a impede de falar em primeiro lugar. Permite-lhe, porém, e ela se dispõe a isso, esperar os sons e devolver-lhe as próprias palavras.

{...}

Desdenhada, esconde-se na floresta e protege com flores o rosto corado de vergonha, e, desde então, vive naquelas grutas isoladas. Seu amor, no entanto, é perseverante, e cresce com a amargura da recusa. As preocupações incansáveis consomem seu pobre corpo, a magreza lhe encolhe a pele, a própria essência do corpo se evapora no ar. Sobrevivem, no entanto, a voz e os ossos. A voz persiste; os ossos, dizem, assumiram o aspecto de pedra. Assim, ela se esconde nas florestas, e não é vista nas montanhas. É ouvida por todos; é o som que ainda vive nela.

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