Há verdade, ainda que não haja verossimilhança, em tudo o que um homem sonha. Uma goiabeira em flor, por exemplo, perdida algures entre as páginas de um bom romance, pode alegrar com o seu perfume fictício vários salões concretos.
A mentira - ,explicou, - está por toda a parte. A própria natureza mente. O que é a camuflagem, por exemplo, senão uma mentira? O camaleão disfarça-se de folha para iludir a pobre borboleta.Mente-lhe dizendo, fica tranqüila, minha queria, não vês que sou apenas uma folha muito verde ondulando ao vento? - e depois atira-lhe a língua, a uma velocidade de seiscentos e vinte e cinco centímetros por segundo, e come-a.
A realidade é dolorosa e imperfeita -, dizia-me: - é essa a sua natureza e por isso a distinguimos dos sonhos. Quando algo nos parece muito belo pensamos que só pode ser um sonho e então beliscamo-nos para termos a certeza de que não estamos a sonhar – se doer é porque não estamos a sonhar. A realidade fere, mesmo quando, por instantes, nos parece um sonho. Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo o que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros.
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Imaginem um rapaz correndo de moto numa estrada secundária. O vento bate-lhe no rosto. O rapaz fecha os olhos e abre os braços, como nos filmes, sentindo-se vivo e em plena comunhão com o universo. Não vê o caminhão irromper do cruzamento. Morre feliz. A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos.
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José Eduardo Agualusa, O vendedor de Passados
Imagem: Parkeharrison