25 de março de 2007

A Insustentável Leveza do Ser

imagem: suzanne woolcott

[Milan Kundera]

Não existe nada mais pesado que a compaixão. Mesmo nossa própria dor não é tão pesada quanto a dor co-sentida com outro, no lugar de outro, multiplicada pela imaginação, prolongada por centenas de ecos. [p.42]

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{...} o peso, a necessidade e o valor são três noções intrinsecamente ligadas: só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa. [p.45]

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{...} o que urrava nela era o idealismo ingênuo de seu amor, que queria abolir todas as contradições, abolir a dualidade entre corpo e alma, e talvez abolir até o tempo. [p.70]

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Não somente seus corpos eram os mesmos, igualmente desvalorizados, simples mecanismos sonoros sem alma, mas as mulheres ainda se alegravam com isso! Era a solidariedade jubilosa dos sem-alma. Ficavam felizes de ter se livrado do fardo da alma, essa ilusão da unicidade, esse orgulho ridículo, e de serem todas semelhantes. [p.73]

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O sonho não é apenas uma comunicação (às vezes uma comunicação codificada), é também uma atividade estética, um jogo da imaginação, e esse jogo tem em si mesmo um valor. O sonho é a prova de que imaginar, sonhar com aquilo que não aconteceu, é uma das mais profundas necessidades do homem. [p.75]

15 de março de 2007

A menina de lá



[Guimarães Rosa]

Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. – "Cheiinhas!" – olhava as estrelas, deléveis, sobrehumanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia: - "Tudo nascendo!" – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. – "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: - "... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-mever..." Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá." – Aonde? – "Não sei" Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: - "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: - "Eeu? Tou fazendo saudade."

[...] Texto completo: a menina de lá, guimarães rosa

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10 de março de 2007

“mais tempo não quer dizer mais eternidade” {Juan Ramón Jiménez}

Morrer será voltar para lá, para a vida antes da vida? Será viver novamente aquela vida pré-natal em que repouso e movimento, dia e noite, tempo e eternidade, deixam de se opor? Morrer será deixar de ser e, definitivamente, estar? Será que a morte é a vida verdadeira? Será que nascer é morrer e morrer, nascer?

[A dialética da solidão]

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“o sopro que infla a substância, modela-a e a erige em forma, é o mesmo que a carcome e enruga e destrona”.

PAZ, Octavio. O labirinto da solidão.
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No mundo moderno, tudo funciona como se a morte não existisse. Ninguém conta com ela. Tudo a suprime: os discursos políticos, os anúncios dos comerciantes, a moral pública, os costumes, a alegria a baixo preço e a saúde ao alcance de todos, que nos oferecem os hospitais, as farmácias e os campos de esporte. Mas a morte, já não como trânsito, e sim como uma grande boca vazia que nada sacia, habita tudo o que empreendemos.

[Todos os Santos, Dia de Finados]

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