8 de abril de 2007

UM CHAMADO JOÃO

[Carlos Drummond de Andrade]


João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?

Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
de precípites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.

(publicado originalmente no Correio da Manhã, em 22/11/1967, três dias após a morte de Guimarães Rosa)
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4 comentários:

Karla Hack dos Santos disse...

Oie...

Te achei na comunidade da Amélie e resolvi dar uma olhada no seu blog...

Adorei!!!

desculpa a invasão!!!

;DDD

bjus

Karla Hack dos Santos disse...

oo.. vou te add os meus blogs favoritos se vc me permitir...

bjus

Anônimo disse...

Mas de quem é a autoria?

Fiquei sem saber. =/

;*

Amanda Teixeira disse...

Opa! Agora é que eu vi...
Menino, é do Carlos Drummond de Andrade. Tá entre parênteses, lá em cima, perto do título. E em baixo tá o lugarzinho onde foi publicado!

=*