18 de outubro de 2008

E de resto, Glaura? Tem ido ao cinema?



[Rubens Rodrigues Torres Filho]


Arredondando as palavras
para dizer, por exemplo, que me ama,
sua boca explícita aprisiona irremediavelmente
este meu doce olhar,
que vai sonhando uma formação de beijos
aéreos em revoada para ninhos impossíveis. Divago, eu sei.
Perdoáveis como cascas de ovos, esses alheamentos
[momentâneos
não atrapalham tanto nosso relacionamento,
maduro, pausado,
idealizado de comum acordo para nos assentar tão bem.
Os pátios da academia nos verão passar amigos,
articulando aquele papo inteligente. Só às vezes
algum lampejar mais bobamente amoroso
bateria asas
" borboletreiramente "
anunciando às tontas um filme
prudentemente fora de cartaz.

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CANTO SILENCIOSO

A ocasião chegou de estarmos sós
em uma cega calma.
Lentos fios desviram-se entre flores
que são lágrimas caindo do terraço
e amadurecendo
com paciência e luz. Quantas vezes
foram mãos servindo o café, lenta maldade
deslizando entre o tempo e a xícara.
São olhares tranqüilos, revestidos
de uma gentil malícia, de um redondo
desejo de ficar, de estar sempre ao alcance, de
ser uma rede ou um espelho
recolhendo teu rosto.
Todos esperam. Forma-se o séquito das nucas,
esperança minaz, gelo absurdo
para conservar as fases do bailado.
Uma alegria violenta
alimenta-se dos punhos, das entregas,
e são múltiplos caminhos que se enlaçam
com dor.

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FIGURA

Esse sorriso justo, pontuado por vírgulas abstratas,
e no caminho, seguramente em cena, mira
o claro desejo: desmisturar-nos, por qual arte,
em meio a tanto. Mexer com esses relevos
subordinados ao fio da ausência. E o que se supõe
dispõe flores avulsas e laços de linguagem.

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retícula

Lentidão de outra face, elíptica
e singular. É com cuidado
que nossos desesperos vão folheando
as latitudes íngremes. Silêncio
e expansão. No colo das estrelas
um paradoxo sorridente hesita.
Sustos habituais, oscilações e álgebras
de espécie pouco usual
entrelaçavam seus sabores árduos.
Esfriarão as técnicas do acaso?
O halo, com vagar, se dividiu.


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LIGAÇÃO

Peço a obscura religião dos pássaros
ou o inexplicável talento para a tristeza
destas praças.

E choraremos juntos na tarde culpada
enquanto o sol morrer em nossas pálpebras
e a noite, inimiga e doce,
vier comer nossa memória.

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CANTO DE RECEPÇÃO

No dia do retorno
estarei mansamente aqui
e meus olhos se abrirão como pétalas
para teu perfil desconhecido.
Lerei estranhas páginas de esquecimento
e, passante, deflagrarei
as palavras com que saudar-te.
Saberei rir: algo
me ensinarão as flores despertadas
e o barulho crescente das águas.
Direi teu nome em letras de mercúrio,
agasalhado em mil predições
e estourarei como uma fruta.
Darei teu nome aos vôos do vento,
às embarcações que preparam êxtases, aos
inexplicáveis marechais do horror.


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