[Jan Van Ruysbroeck]
Quando o homem faz tudo o que pode e sua própria fraqueza impede-o de ir mais além, a infinita misericórdia de Deus deve completar a obra. Então aparece uma luz mais alta de graça divina, semelhante a um raio de sol que entra na alma, sem mérito de sua parte e sem que ela possa desejar algo de tão elevado; pois nesta luz. É Deus que se dá, com toda bondade gratuita e liberalidade, ele, que criatura alguma pode merecer antes de possuir. E acontece na alma, instantaneamente, uma operação misteriosa de Deus, que a move toda, ela e suas faculdades. Aqui não se trata mais de graça previdente, mas inteiramente de outra graça, que é luz sobrenatural.
O ornamento do casamento espiritual, livro I, cap. I.
Algumas vezes Deus suscita no espírito um fulgor rápido, algo como um raio no céu. É um curto jato de luz, de uma claridade ofuscante, que jorra na nudez simples. Num piscar de olhos o espírito é elevado acima de si mesmo, e, imediatamente, a luz deixa de existir, e o homem volta a si. Esta é uma obra do próprio Deus, e algo de muito nobre, pois, aqueles que são objetos dela tornam-se freqüentemente homens iluminados.
Aqueles que são tomados pelo ardor do amor sentem-no, algumas vezes, de uma outra maneira, pois neles brilha uma certa luz que Deus produz por intermediários; e sob esta influência o coração e a faculdade afetiva vão ao encontro da luz, e, quando se dá este encontro, a avidez e a fruição são tão grandes que o coração não os pode suportar, mas explode em tons impetuosos, e isto chama-se júbilo, isto é, uma alegria que não podemos exprimir em palavras. Somos, aliás, incapazes de contê-la e, no momento em que encontramos a luz com um coração que se eleva em sua direção e se abre grandemente, a voz deve seguir-se necessariamente, enquanto durar este estado e este gênero de luz. Certos homens interiores recebem, por vezes, de seu anjo da guarda ou de outros anjos, por via de sonhos, muitos ensinamentos úteis.
O ornamento do casamento espiritual, livro II, cap. XXIV
Ora, vocês sabem que todo encontro consiste na união de duas pessoas que vêm de lugares diferentes, opostos e separados. O Cristo vem do alto como um senhor que dá com liberalidade e que é todo-poderoso. E nós vimos de baixo, como pobres servidores que não têm poder por si mesmos, mas indigentes em tudo. E enquanto o Cristo vem a nós do interior para o exterior, nós vimos a ele do exterior para o interior; e deste modo deve fazer-se um encontro espiritual.
O ornamento do casamento espiritual, livro II, cap. LVI
Jan Van Ruysbroeck, In: VILHENA, Araujo. O Roteiro de Deus: dois estudos sobre Guimarães Rosa.
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