15 de abril de 2010

Sofro as asas


"Pouco a pouco, um dia, pude. Apliquei meu coração a isso, vislumbrei entre névoas, em altura longínqua profunda, a minha estrela-da-guarda. Ah, revê-la. lembrou-me algo de maior, imensamente mor - o que podia valer-me. Como surge a esperança? Um ponto, um átimo, um momento. Face a mim, eu. Àquele ponto, agarrei-me, era um mínimo glóbulo de vida, uma promessa imensa. Agarrei-me a ele, que me permitia algum trabalho de consciência. Sofria, de contrair os músculos. Esta esperança me retorna, agora, mais vezes, em certos momentos. É quando me esforço por reunir as células enigmáticas, confiar em que possa, algum dia, conseguir-me a desassombração, levantar o meu desterro. Sofro, mas espero. Antes da experiência, profundamente anímica. Tenho de tresmudar-me. Sofro as asas".

Páramo, in Estas Estórias, João Guimarães Rosa

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