26 de fevereiro de 2010

O Livro Amarelo do Terminal



Nas horas vagas, Álvaro ganha um salário mínimo demonstrando videoquês nas Casas Pernambucanas. Ele e Matilde revezam-se em “Como é grande o meu amor por você”. Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito. O Álvaro, sempre calmo e sorridente, aprecia as paisagens bucólicas na tela enquanto pensa: podia ser um tenor barrigudo espanhol, ah se podia. Daqueles que abrem os braços e cantam como loucos.
O sonho de Matilde é deitar em cima de um piano, vestida de vermelho, e flertar com o microfone.
[76]

Ou então: Álvaro é infeliz. Passa os dias imóvel, preso em uma jaula e envolto por correntes que atam seus pulsos à parede. Álvaro não vê o sol; não come, não dorme e costuma chorar durante meses a fio. Só narra os avisos sonoros no microfone do Tietê quando o fustigam com um espeto de churrasco.
[77]


Talvez Álvaro ganhe meias no Natal. Sua esposa é secretária e cuida dos três filhos: um loiro, o outro teimoso e um que tem terríveis dores de garganta porque ainda não tirou as amídalas. Ele acorda sempre às seis da manhã, compra bisnagas de leite, tira o Uno da garagem e vai trabalhar na sala de controle do terminal do Tietê. Álvaro não gosta do serviço, já que é obrigado a repetir as mesmas coisas com aquela voz monocórdia e formal; ele queria mesmo é poder cantar antigos boleros em frente à estação do metrô, junto a três velhinhos cegos e um cão triste.
[77]


 Vanessa Bárbara, O Livro Amarelo do Terminal

23 de fevereiro de 2010

16 de fevereiro de 2010

Quase

 

[Luiz Tatit]

Desde que cheguei aqui tive que me decidir. Vou ficando, vou vivendo ou devo partir? Fui ficando, fui vivendo, fui partir.. era muito tarde! Quase que parto (mas estava inseguro), quase que embarco num sonho maduro. Quase me curo, quase, eu juro! Quase dou um grande salto para o futuro.

Fiquei no caminho (faltou só um pouquinho).

Nunca estive tão perto de ser feliz... olha!, só não deu certo porque eu não quis: vi a sorte a um palmo do meu nariz.


(...)

Quase fiz tudo certo pra ser feliz... quase que eu fiz de tudo mas eu não fiz! 
Quase alcancei a glória... foi por um triz..

Quase!

10 de fevereiro de 2010

it may not always be so; and i say

 


it may not always be so; and i say

[e.e. cummings]

it may not always be so; and i say
it may not always be so; and i say
that if your lips, which i have loved, should touch
another's, and your dear strong fingers clutch
his heart, as mine in time not far away;
if on another's face your sweet hair lay
in such a silence as i know, or such
great writhing words as, uttering overmuch,
stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be, i say if this should be-
you of my heart, send me a little word;
that i may go unto him,and take his hands,
saying,
Accept all happiness from me.
Then shall i turn my face, and hear one bird
sing terribly afar in the lost lands.

8 de fevereiro de 2010

Tudo pra ser feliz


Eu tinha tudo pra ser feliz
Segundo grau completo
Curso de datilografia
Uma passagem de ônibus
Pra outro lugar do país

(...)

[Totonho e os "Cabra"]

Imagem: exploding dog: http://www.explodingdog.com/

24 de janeiro de 2010

I want to be Evil




I've posed for pictures with Iv'ry Soap,
I've petted stray dogs, and shied clear of dope
My smile is brilliant, my glance is tender
But I'm noted most for my unspoiled gender

I've been made Miss Reingold, though I never touch beer,
And I'm the person to whom they say, "Your sweet, My Dear."
The only etchings I've seen have been behind glass,
And the closest I've been to a bar, is at ballet class.

Prim and proper, the girl who's never been cased,
I'm tired of being pure and not chased.
Like something that seeks it's level
I wanna go to the devil.

...


I wanna be evil, I wanna spit tacks
I wanna be evil, and cheat at jacks
I wanna be wicked, I wanna tell lies
I wanna be mean, and throw mud pies

I want to wake up in the morning
with that dark brown taste
I want to see some dissipation in my face
I wanna be evil, I wanna be mad
But more that that I wanna be bad

I wanna be evil, and trump an ace,
Just to see my partner's face.
I wanna be nasty, I wanna be cruel
I wanna be daring, I wanna shoot pool

And in the theatre
I want to change my seat
Just so I can step on
Everybody's feet

I wanna be evil, I wanna hurt flies
I wanna sing songs like the guy who cries
I wanna be horrid, I wanna drink booze
And whatever I've got I'm eager to lose

I wanna be evil, little evil me
Just as mean and evil as I can be


30 de dezembro de 2009

Nasrudin - Desejos


D e s e j o s


A festa reuniu todos os discípulos de Nasrudin. Comeram e beberam durante muitas horas, sempre a conversar sobre a origem das estrelas e dos propósitos da vida. Quando já era quase de madrugada, preparavam-se todos para voltar para as suas casas. Restava um belo prato de doces sobre a mesa. Nasrudin obrigou os seus discípulos a comê-lo. Um deles, porém, recusou:
- O mestre está-nos a testar. Quer ver se conseguimos controlar os nossos desejos.
- Estás enganado. A melhor maneira de dominar um desejo, é vê-lo satisfeito. Prefiro que vocês fiquem com o doce no estômago do que no pensamento, que deve ser usado para coisas mais nobres.

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28 de dezembro de 2009

Muito Romântico



Não tenho nada com isso nem vem falar
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que eu não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu
Acho que nada restou pra guardar
Do muito ou pouco que ouve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa eu não douro a pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior
Com todo o mundo podendo brilhar no cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico

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(Caetano, porque estou numa fase mais racional que passional.. ando mais "velosiana" que "buarqueana" )

23 de dezembro de 2009

1 de dezembro de 2009

Poética do espaço...


O passado, o presente e o futuro dão a casa dinamismos diferentes, dinamismos
que não raro interferem, às vezes se opondo, às vezes excitando-nos mutuamente.
Na vida do homem, a casa afasta contingências, multiplica seus conselhos de
continuidade. Sem ela o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem
através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É o corpo e é a alma.É o
primeiro mundo do ser humano. (BACHELARD, 1993, p. 26)

imagem: parkeharrison

26 de novembro de 2009

Crenças cobertas de capim e buritis


"(...) o Grande Sertão: Veredas - que, por bizarra que V. ache a afirmativa, é menos literatura pura do que um sumário de idéias e crenças do autor, com buritis e capim devidamente semi-camuflatos."

(Guima, em carta a Vicente Ferreira - APUD Sperber, Caos e Cosmos, p. 89)

15 de novembro de 2009

é na margem que eu encontro a lucidez




É na margem que eu encontro a lucidez
Eu prefiro ser assim que uma estátua de marfim
Eu preciso mais de sol que uma festa de ilusão
E a verdade pode estar na caspa e não no xampu.

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Pigmaleão 70, Marcos Valle

14 de novembro de 2009

Feliz Casualidade



Johnathan Trager, prominent television producer for ESPN, died last night from complications of losing his soul mate and his fiancee. He was 35 years old. Soft-spoken and obsessive, Trager never looked the part of a hopeless romantic. But, in the final days of his life, he revealed an unknown side of his psyche. This hidden quasi-Jungian persona surfaced during the Agatha Christie-like pursuit of his long reputed soul mate, a woman whom he only spent a few precious hours with. Sadly, the protracted search ended late Saturday night in complete and utter failure. Yet even in certain defeat, the courageous Trager secretly clung to the belief that life is not merely a series of meaningless accidents or coincidences. Uh-uh. But rather, its a tapestry of events that culminate in an exquisite, sublime plan. Asked about the loss of his dear friend, Dean Kansky, the Pulitzer Prize-winning author and executive editor of the New York Times, described Jonathan as a changed man in the last days of his life. "Things were clearer for him," Kansky noted. Ultimately Johnathan concluded that if we are to live life in harmony with the universe, we must all possess a powerful faith in what the ancients used to call "fatum", what we currently refer to as destiny.

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* Sempre compro filme "cult" na doidinha do Shopping Sul. Dia desses me interessei, no entanto, por um água-com-açúcar. Comprei. Levei "Escrito nas Estrelas" e, ao assistir, descobri que o título em inglês era.. tãrãrã... S-E-R-E-N-D-I-P-I-T-Y!!!

Well, é muito água-com-açúcar MESMO. Mas, se eu falasse palavrões, só teria uma palavra pra dizer sobre o filme (a palavra que eu pensei o tempo todo enquanto assistia): caralho!

2 de novembro de 2009

Redescobrindo Olavo Bilac






Deixa o Olhar do Mundo

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos!
Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais!
Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

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Remorso

Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

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(e o clássico...)

Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."



1 de novembro de 2009

Não posso demorar




The Juju Orchestra



Deitar na sua cama

Sentir o teu perigo

Ouvir tuas palavras

Me embriagar no teu abrigo


Fita no cabelo

Saia de menina

Tudo pra você gostar


Conta a sua história

Veste a minha roupa

Deixa eu me acostumar


Diz na melodia

Tira a minha roupa

Pede pra eu me perfumar


Diz que não me esquece

Vira noite afora

Eu não posso demorar

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Clique no link acima da juju orchestra e ouça! Vale a pena!

24 de outubro de 2009

But not for me


[George Gershwin]


Old Man Sunshine, listen, you,
Never tell me dreams come true,
Just try it, and I'll start a riot,
Beatrice Fairfax don't you dare,
Ever tell me she will care,
I'm certain, It's the final cutain.

Don't want to hear from and cheerful Pollyannas,
Who tell me love will find a way, it's all bananas.

They're writing songs of love, but not for me,
A lucky star's above, but not for me,
With love to lead the way,
I found more clouds of grey,
Than any Russian play could guarantee.

I was a fool to fall, and get that way,
Hi ho! Alas! And also Lack a day!
Although I can't dismiss,
The memory of her kiss,
I guess she's not for me.

It all began so well, but what an end,
This is the time a fella needs a friend,
When every happy plot,
Ends in a marriage knot,
And there's no knot for me.

imagem: Chema Madoz

12 de outubro de 2009

Clio e Calíope



“(...) não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa... Diferem, sim, em que um diz as coisas que sucederam e o outro as que poderiam suceder. Por isto, a poesia é algo mais filosófico e mais sério do que a história, pois aquela se refere principalmente ao universal e esta ao particular”

(Aristóteles, 1882, cap. IX, p. 21)



4 de outubro de 2009

Segunda lua-de-mel


[ando numa fase "Monsueto"]


Vem quando quiseres...
Vem, vem pra ficar!
Aceitei tua desculpa,
Vou deixar a porta aberta.
Vem, vem tomar conta do teu lar.

Andei fazendo comida
E lavando a minha roupa
A intriga quase desfaz o lar
Que já tem bodas de prata

Ainda guardo no retrato
Junto a mim você de branco
Na cabeça um lindo véu
Vem, vamos fazer nossa segunda
Lua-de-Mel...

A fonte do meu amor secou


Eu não sou água pra me tratares assim.
Só na hora da sede é que procuras por mim.
A fonte secou.
Quero dizer que entre nós tudo acabou.


(Monsueto)

2 de outubro de 2009

História: uma fuga do tempo... em busca da eternidade!



Apesar de terem sido os criadores da ciência dos homens no tempo, os gregos possuíam também um pensamento extremamente anti-histórico. Concebiam apenas o conhecimento do eterno, do permanente, do imutável, do supralunar. Esse ser supralunar realiza um movimento circular. Aristóteles define o movimento regular por três propriedades: eternidade, unidade e continuidade. A única espécie de movimento a possuir essas características é o circular. Ele é mais simples e mais perfeito do que o movimento retilíneo. Aristóteles nega a possibilidade da continuidade para o movimento retilíneo mesmo irreversível: ele não pode ser infinito. Ele vai de um termo a outro, pois é pura sucessividade. Ele busca o seu ser no futuro. Quanto ao movimento circular, ele é infinitamente contínuo: ele vai de um termo a esse mesmo termo. Não se vai a parte alguma, não se ganha e nem se perde nada, nada nasce, nada morre, nada falta. É um movimento estéril, isto é, perfeito, pois não acrescenta ser ao que já é. O movimento circular não revela o tempo, mas a eternidade. Nele não há mudança, transição, transcurso, novidade, evento, alteridade. O eterno movimento circular é primeiro ontologicamente e primeiro na ordem do conhecimento. O ser cognoscível só pode ser em movimento circular. (p. 147)


José Carlos Reis, em História, Tempo e Evasão