9 de janeiro de 2008

Cântico


Vinicius de Moraes

Não, tu não és um sonho, és a existência | Tens carne, tens fadiga e tens pudor | No calmo peito teu. Tu és a estrela | Sem nome, és a morada, és a cantiga | Do amor, és luz, és lírio, namorada! | Tu és todo o esplendor, o último claustro | Da elegia sem fim, anjo! mendiga | Do triste verso meu. Ah, fosses nunca | Minha, fosses a idéia, o sentimento | Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora | Ausente, amiga, eu não te perderia! | Amada! onde te deixas, onde vagas | Entre as vagas flores? e por que dormes| Entre os vagos rumores do mar? Tu | Primeira, última, trágica, esquecida | De mim! És linda, és alta! és sorridente | És como o verde do trigal maduro | Teus olhos têm a cor do firmamento | Céu castanho da tarde – são teus olhos! | Teu passo arrasta a doce poesia | Do amor! prende o poema em forma e cor | No espaço; para o astro do poente | És o levante, és o Sol! eu sou o giro | O giro, o girassol. És a soberba | Também, a jovem rosa purpurina | És rápida também, como a andorinha! | Doçura! lisa e murmurante... a água | Que corre no chão morno da montanha | És tu; tens muitas emoções; o pássaro | Do trópico inventou teu meigo nome | Duas vezes, de súbito encantado! | Dona do meu amor! sede constante | Do meu corpo de homem! melodia | Da minha poesia extraordinária! | Por que me arrastas? Por que me fascinas? | Por que me ensinas a morrer? teu sonho | Me leva o verso à sombra e à claridade. | Sou teu irmão, és minha irmã; padeço | De ti, sou teu cantor humilde e terno | Teu silêncio, teu trêmulo sossego | Triste, onde se arrastam nostalgias | Melancólicas, ah, tão melancólicas... | Amiga, entra de súbito, pergunta | Por mim, se eu continuo a amar-te; ri | Esse riso que é tosse de ternura | Carrega-me em teu seio, louca! sinto | A infância em teu amor! cresçamos juntos | Como se fora agora, e sempre; demos | Nomes graves às coisas impossíveis | Recriemos a mágica do sonho | Lânguida! ah, que o destino nada pode | Contra esse teu langor; és o penúltimo | Lirismo! encosta a tua face fresca | Sobre o meu peito nu, ouves? é cedo | Quanto mais tarde for, mais cedo! a calma | É o último suspiro da poesia | O mar é nosso, a rosa tem seu nome | E recende mais pura ao seu chamado. | Julieta! Carlota! Beatriz! | Oh, deixa-me brincar, que te amo tanto | Que se não brinco, choro, e desse pranto | Desse pranto sem dor, que é o único amigo | Das horas más em que não estás comigo.

imagem: letter from an unknown woman
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