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Ao que era, um pássaro que ele tivesse, de voável desejo, sem estar engaiolado, pássaro de muitos brilhos, muitas cores, cantando alegre, estalado, de dobrar.
Abaixo do sol existe um outro planeta que se chama Vênus. É muito brilhante, claro e com reflexos luminosos, seco e frio por natureza (...). Vênus é a mais brilhante dentre as estrelas. É benevolente, doce e benfazeja. Interrompe e tempera a malícia de Saturno e todo outro malefício dos planetas. Brilha quando o sol corre no signo de Touro, e também quando ele se encontra em Libra, isto é, na balança, no mês de setembro. (...) As crianças nascidas sob seu signo parecem-se em muitos pontos aos filhos de Júpiter. São brilhantes, claros, graciosos e de aspecto alegre, amáveis, distinguidos e livres em suas maneiras, de um natural fervente e cheio de humor, o que os torna facilmente impuros e gulosos, inclinados a todos os prazeres desordenados e aos desejos dos sentidos. Temem o ódio e a inveja e, tanto quanto lhes é possível, estabelecem a paz e a concórdia entre os homens.
Segundo o mito, Vênus e seu filho Cupido tomaram a forma de peixes para fugir de Tifão, monstro, meio homem, meio animal, nascido da Terra e do Tártaro, e que ameaçou os deuses do Olimpo (...). Vênus e Cupido esconderam-se sob a forma do peixe, Pisces, para escapar das forças elementares, primitivas e desordenadas da terra, que ameaçavam o reino luminoso, ordenado e racional dos deuses do Olimpo - uma luta entre a escuridão da terra e a luz do céu.
[Jan Van Ruysbroeck]
Quando o homem faz tudo o que pode e sua própria fraqueza impede-o de ir mais além, a infinita misericórdia de Deus deve completar a obra. Então aparece uma luz mais alta de graça divina, semelhante a um raio de sol que entra na alma, sem mérito de sua parte e sem que ela possa desejar algo de tão elevado; pois nesta luz. É Deus que se dá, com toda bondade gratuita e liberalidade, ele, que criatura alguma pode merecer antes de possuir. E acontece na alma, instantaneamente, uma operação misteriosa de Deus, que a move toda, ela e suas faculdades. Aqui não se trata mais de graça previdente, mas inteiramente de outra graça, que é luz sobrenatural.
O ornamento do casamento espiritual, livro I, cap. I.
Algumas vezes Deus suscita no espírito um fulgor rápido, algo como um raio no céu. É um curto jato de luz, de uma claridade ofuscante, que jorra na nudez simples. Num piscar de olhos o espírito é elevado acima de si mesmo, e, imediatamente, a luz deixa de existir, e o homem volta a si. Esta é uma obra do próprio Deus, e algo de muito nobre, pois, aqueles que são objetos dela tornam-se freqüentemente homens iluminados.
Aqueles que são tomados pelo ardor do amor sentem-no, algumas vezes, de uma outra maneira, pois neles brilha uma certa luz que Deus produz por intermediários; e sob esta influência o coração e a faculdade afetiva vão ao encontro da luz, e, quando se dá este encontro, a avidez e a fruição são tão grandes que o coração não os pode suportar, mas explode em tons impetuosos, e isto chama-se júbilo, isto é, uma alegria que não podemos exprimir em palavras. Somos, aliás, incapazes de contê-la e, no momento em que encontramos a luz com um coração que se eleva em sua direção e se abre grandemente, a voz deve seguir-se necessariamente, enquanto durar este estado e este gênero de luz. Certos homens interiores recebem, por vezes, de seu anjo da guarda ou de outros anjos, por via de sonhos, muitos ensinamentos úteis.
O ornamento do casamento espiritual, livro II, cap. XXIV
Ora, vocês sabem que todo encontro consiste na união de duas pessoas que vêm de lugares diferentes, opostos e separados. O Cristo vem do alto como um senhor que dá com liberalidade e que é todo-poderoso. E nós vimos de baixo, como pobres servidores que não têm poder por si mesmos, mas indigentes em tudo. E enquanto o Cristo vem a nós do interior para o exterior, nós vimos a ele do exterior para o interior; e deste modo deve fazer-se um encontro espiritual.
O ornamento do casamento espiritual, livro II, cap. LVI
Jan Van Ruysbroeck, In: VILHENA, Araujo. O Roteiro de Deus: dois estudos sobre Guimarães Rosa.
Nós somos prisioneiros do futuro e de nossos sonhos: de tanto esperar amanhãs que cantem, perdemos o único caminho real, que é o de hoje. No entanto é preciso viver e lutar: partir para o assalto ao céu, mesmo que esse céu não exista. Precisamos inventar uma sabedoria para o nosso tempo.
[Tratado do Desespero e da Beatitude, André Comte-Sponville - nunca pensei que fosse gostar tanto de um filósofo materialista... a imagem é do casal parkeharrison]
O Tio Abstêncio, este que cruza o rio comigo, sempre assim se apresentou: magro e engomado, ocupado a trançar lembranças. Um certo dia, se exilou dentro de casa. Acreditaram ser arremesso de humores, coisa passatemporária. Mas era definitivo. Com o tempo acabaram estranhando a ausência. Visitaram-no. Sacudiram-no, ele nada.
─ Não quero sair nunca mais.
─ Tem medo de quê?
─ O mundo já não tem mais beleza.
Como aqueles amantes que, depois de zanga, nunca mais se querem ver. Assim era o amuo do nosso tio. Que ele tinha tido caso com o mundo. E agora doía-lhe demais a decadência desse rosto de quem amara. Os outros riram. O parente sofria de tardias poesias?
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Mia Couto, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra.
(tô gostando! bem que me disseram que ele tinha algo de Guimarães Rosa...)