26 de novembro de 2009

Crenças cobertas de capim e buritis


"(...) o Grande Sertão: Veredas - que, por bizarra que V. ache a afirmativa, é menos literatura pura do que um sumário de idéias e crenças do autor, com buritis e capim devidamente semi-camuflatos."

(Guima, em carta a Vicente Ferreira - APUD Sperber, Caos e Cosmos, p. 89)

15 de novembro de 2009

é na margem que eu encontro a lucidez




É na margem que eu encontro a lucidez
Eu prefiro ser assim que uma estátua de marfim
Eu preciso mais de sol que uma festa de ilusão
E a verdade pode estar na caspa e não no xampu.

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Pigmaleão 70, Marcos Valle

14 de novembro de 2009

Feliz Casualidade



Johnathan Trager, prominent television producer for ESPN, died last night from complications of losing his soul mate and his fiancee. He was 35 years old. Soft-spoken and obsessive, Trager never looked the part of a hopeless romantic. But, in the final days of his life, he revealed an unknown side of his psyche. This hidden quasi-Jungian persona surfaced during the Agatha Christie-like pursuit of his long reputed soul mate, a woman whom he only spent a few precious hours with. Sadly, the protracted search ended late Saturday night in complete and utter failure. Yet even in certain defeat, the courageous Trager secretly clung to the belief that life is not merely a series of meaningless accidents or coincidences. Uh-uh. But rather, its a tapestry of events that culminate in an exquisite, sublime plan. Asked about the loss of his dear friend, Dean Kansky, the Pulitzer Prize-winning author and executive editor of the New York Times, described Jonathan as a changed man in the last days of his life. "Things were clearer for him," Kansky noted. Ultimately Johnathan concluded that if we are to live life in harmony with the universe, we must all possess a powerful faith in what the ancients used to call "fatum", what we currently refer to as destiny.

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* Sempre compro filme "cult" na doidinha do Shopping Sul. Dia desses me interessei, no entanto, por um água-com-açúcar. Comprei. Levei "Escrito nas Estrelas" e, ao assistir, descobri que o título em inglês era.. tãrãrã... S-E-R-E-N-D-I-P-I-T-Y!!!

Well, é muito água-com-açúcar MESMO. Mas, se eu falasse palavrões, só teria uma palavra pra dizer sobre o filme (a palavra que eu pensei o tempo todo enquanto assistia): caralho!

2 de novembro de 2009

Redescobrindo Olavo Bilac






Deixa o Olhar do Mundo

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos!
Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais!
Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

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Remorso

Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

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(e o clássico...)

Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."



1 de novembro de 2009

Não posso demorar




The Juju Orchestra



Deitar na sua cama

Sentir o teu perigo

Ouvir tuas palavras

Me embriagar no teu abrigo


Fita no cabelo

Saia de menina

Tudo pra você gostar


Conta a sua história

Veste a minha roupa

Deixa eu me acostumar


Diz na melodia

Tira a minha roupa

Pede pra eu me perfumar


Diz que não me esquece

Vira noite afora

Eu não posso demorar

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Clique no link acima da juju orchestra e ouça! Vale a pena!

24 de outubro de 2009

But not for me


[George Gershwin]


Old Man Sunshine, listen, you,
Never tell me dreams come true,
Just try it, and I'll start a riot,
Beatrice Fairfax don't you dare,
Ever tell me she will care,
I'm certain, It's the final cutain.

Don't want to hear from and cheerful Pollyannas,
Who tell me love will find a way, it's all bananas.

They're writing songs of love, but not for me,
A lucky star's above, but not for me,
With love to lead the way,
I found more clouds of grey,
Than any Russian play could guarantee.

I was a fool to fall, and get that way,
Hi ho! Alas! And also Lack a day!
Although I can't dismiss,
The memory of her kiss,
I guess she's not for me.

It all began so well, but what an end,
This is the time a fella needs a friend,
When every happy plot,
Ends in a marriage knot,
And there's no knot for me.

imagem: Chema Madoz

12 de outubro de 2009

Clio e Calíope



“(...) não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa... Diferem, sim, em que um diz as coisas que sucederam e o outro as que poderiam suceder. Por isto, a poesia é algo mais filosófico e mais sério do que a história, pois aquela se refere principalmente ao universal e esta ao particular”

(Aristóteles, 1882, cap. IX, p. 21)



4 de outubro de 2009

Segunda lua-de-mel


[ando numa fase "Monsueto"]


Vem quando quiseres...
Vem, vem pra ficar!
Aceitei tua desculpa,
Vou deixar a porta aberta.
Vem, vem tomar conta do teu lar.

Andei fazendo comida
E lavando a minha roupa
A intriga quase desfaz o lar
Que já tem bodas de prata

Ainda guardo no retrato
Junto a mim você de branco
Na cabeça um lindo véu
Vem, vamos fazer nossa segunda
Lua-de-Mel...

A fonte do meu amor secou


Eu não sou água pra me tratares assim.
Só na hora da sede é que procuras por mim.
A fonte secou.
Quero dizer que entre nós tudo acabou.


(Monsueto)

2 de outubro de 2009

História: uma fuga do tempo... em busca da eternidade!



Apesar de terem sido os criadores da ciência dos homens no tempo, os gregos possuíam também um pensamento extremamente anti-histórico. Concebiam apenas o conhecimento do eterno, do permanente, do imutável, do supralunar. Esse ser supralunar realiza um movimento circular. Aristóteles define o movimento regular por três propriedades: eternidade, unidade e continuidade. A única espécie de movimento a possuir essas características é o circular. Ele é mais simples e mais perfeito do que o movimento retilíneo. Aristóteles nega a possibilidade da continuidade para o movimento retilíneo mesmo irreversível: ele não pode ser infinito. Ele vai de um termo a outro, pois é pura sucessividade. Ele busca o seu ser no futuro. Quanto ao movimento circular, ele é infinitamente contínuo: ele vai de um termo a esse mesmo termo. Não se vai a parte alguma, não se ganha e nem se perde nada, nada nasce, nada morre, nada falta. É um movimento estéril, isto é, perfeito, pois não acrescenta ser ao que já é. O movimento circular não revela o tempo, mas a eternidade. Nele não há mudança, transição, transcurso, novidade, evento, alteridade. O eterno movimento circular é primeiro ontologicamente e primeiro na ordem do conhecimento. O ser cognoscível só pode ser em movimento circular. (p. 147)


José Carlos Reis, em História, Tempo e Evasão

30 de setembro de 2009

Amores do Guima em Corpo de Baile


Lélio não se sentia, achou que estava ouvindo ainda um segredo, parece que ela perguntava, naquele tom requieto, que lembrava um mimo, um nino, ou um muito antigo continuar, ou o a-pio de pomba-rola, em beira de ninho pronto feito: - ‘Você é arte-mágico?...’ Viu riso, brilho, uns olhos – que tivessem que chorar, de alegria só era que podiam... -; e mais ele mesmo nunca ia saber, nem recordar ao vivo exato aquele vazio de momento (...) foi como se estivesse subido dali, em neblinas, para lugar algum, fora de todo perigo, por sempre, e de toda marimba de guerra... E era nela que seus olhos estavam.


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Ao que era, um pássaro que ele tivesse, de voável desejo, sem estar engaiolado, pássaro de muitos brilhos, muitas cores, cantando alegre, estalado, de dobrar.

29 de setembro de 2009

Pisces





Abaixo do sol existe um outro planeta que se chama Vênus. É muito brilhante, claro e com reflexos luminosos, seco e frio por natureza (...). Vênus é a mais brilhante dentre as estrelas. É benevolente, doce e benfazeja. Interrompe e tempera a malícia de Saturno e todo outro malefício dos planetas. Brilha quando o sol corre no signo de Touro, e também quando ele se encontra em Libra, isto é, na balança, no mês de setembro. (...) As crianças nascidas sob seu signo parecem-se em muitos pontos aos filhos de Júpiter. São brilhantes, claros, graciosos e de aspecto alegre, amáveis, distinguidos e livres em suas maneiras, de um natural fervente e cheio de humor, o que os torna facilmente impuros e gulosos, inclinados a todos os prazeres desordenados e aos desejos dos sentidos. Temem o ódio e a inveja e, tanto quanto lhes é possível, estabelecem a paz e a concórdia entre os homens.

As doze benignas, cap. XLII (Ruysbroeck citado em "Roteiro de Deus")


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Segundo o mito, Vênus e seu filho Cupido tomaram a forma de peixes para fugir de Tifão, monstro, meio homem, meio animal, nascido da Terra e do Tártaro, e que ameaçou os deuses do Olimpo (...). Vênus e Cupido esconderam-se sob a forma do peixe, Pisces, para escapar das forças elementares, primitivas e desordenadas da terra, que ameaçavam o reino luminoso, ordenado e racional dos deuses do Olimpo - uma luta entre a escuridão da terra e a luz do céu.

(n'o roteiro de deus, página, 507)

27 de setembro de 2009

26 de setembro de 2009

Amor volat



Não, não é comigo que ele nasceu... A sua asa
Só a um tempo ruflou desse modo, tamanho!
Bateu-me o coração... E outro não sei que, estranho,
Rudamente o rasgou como o seu bico em brasa...

Entrou-mo todo, enfim, como quem entra em casa
E em meu sangue, a cantar, fez de um boêmio no banho!
Oh! que pássaro mau! E eu nunca mais o apanho!
Vês: estou velho já. Treme-me o passo, e atrasa...

Olha-me bem, no peito, o rubro ninho aberto!
Hoje, fúnebre, a piar, uma estrige ao telhado
E o meu seio vazio! e o meu leito deserto!

E vivo só por ver, como curvo aqui fico,
Esse pássaro voar, largamente, um bocado
De músculos pingando a levar-me no bico!

Pedro Kilkerry
(1885-1917)

* imagem roubada da aline

25 de setembro de 2009

O ornamento do casamento espiritual

[Jan Van Ruysbroeck]


Quando o homem faz tudo o que pode e sua própria fraqueza impede-o de ir mais além, a infinita misericórdia de Deus deve completar a obra. Então aparece uma luz mais alta de graça divina, semelhante a um raio de sol que entra na alma, sem mérito de sua parte e sem que ela possa desejar algo de tão elevado; pois nesta luz. É Deus que se dá, com toda bondade gratuita e liberalidade, ele, que criatura alguma pode merecer antes de possuir. E acontece na alma, instantaneamente, uma operação misteriosa de Deus, que a move toda, ela e suas faculdades. Aqui não se trata mais de graça previdente, mas inteiramente de outra graça, que é luz sobrenatural.


O ornamento do casamento espiritual, livro I, cap. I.


. . .

Algumas vezes Deus suscita no espírito um fulgor rápido, algo como um raio no céu. É um curto jato de luz, de uma claridade ofuscante, que jorra na nudez simples. Num piscar de olhos o espírito é elevado acima de si mesmo, e, imediatamente, a luz deixa de existir, e o homem volta a si. Esta é uma obra do próprio Deus, e algo de muito nobre, pois, aqueles que são objetos dela tornam-se freqüentemente homens iluminados.

Aqueles que são tomados pelo ardor do amor sentem-no, algumas vezes, de uma outra maneira, pois neles brilha uma certa luz que Deus produz por intermediários; e sob esta influência o coração e a faculdade afetiva vão ao encontro da luz, e, quando se dá este encontro, a avidez e a fruição são tão grandes que o coração não os pode suportar, mas explode em tons impetuosos, e isto chama-se júbilo, isto é, uma alegria que não podemos exprimir em palavras. Somos, aliás, incapazes de contê-la e, no momento em que encontramos a luz com um coração que se eleva em sua direção e se abre grandemente, a voz deve seguir-se necessariamente, enquanto durar este estado e este gênero de luz. Certos homens interiores recebem, por vezes, de seu anjo da guarda ou de outros anjos, por via de sonhos, muitos ensinamentos úteis.


O ornamento do casamento espiritual, livro II, cap. XXIV


...

Ora, vocês sabem que todo encontro consiste na união de duas pessoas que vêm de lugares diferentes, opostos e separados. O Cristo vem do alto como um senhor que dá com liberalidade e que é todo-poderoso. E nós vimos de baixo, como pobres servidores que não têm poder por si mesmos, mas indigentes em tudo. E enquanto o Cristo vem a nós do interior para o exterior, nós vimos a ele do exterior para o interior; e deste modo deve fazer-se um encontro espiritual.


O ornamento do casamento espiritual, livro II, cap. LVI


Jan Van Ruysbroeck, In: VILHENA, Araujo. O Roteiro de Deus: dois estudos sobre Guimarães Rosa.