28 de junho de 2010

as palavras reduzem as coisas que pareciam ilimitáveis

As coisas mais importantes são as mais difíceis de expressar. São coisas das quais você se envergonha, pois as palavras as diminuem -- as palavras reduzem as coisas que pareciam ilimitáveis quando estavam dentro de você à mera dimensão normal quando são reveladas. Mas é mais que isso, não? As coisas mais importantes estão muito perto de onde seu segredo está enterrado, como pontos de referência para um tesouro que seus inimigos adorariam roubar. E você pode fazer revelações que lhe são muito difíceis e as pessoas o olharem de maneira esquisita, sem entender nada do que você disse nem por que eram tão importantes que você quase chorou quando estava falando. Isto é pior, eu acho. Quando o segredo fica trancado lá dentro não por falta de um narrador, mas de alguém que compreenda.

[Stephen King, O Corpo]

19 de junho de 2010

lugares desertos


They cannot scare me with their empty spaces
Between stars – on stars where no human race is
I have it in me so much nearer home
To scare myself with my own desert places.

*  * *

[Eles não podem me assustar com seus vácuos
interestelares – em estrelas onde não há raça humana.
Detenho a capacidade, tão mais perto de casa,
de me assustar com meus próprios lugares desertos.]

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Robert Frost, tradução de Vanessa Bárbara. 
Imagem: Angela Bacon Kidwell 

8 de junho de 2010

Wuthering Heights

Não posso me exprimir direito; mas você, como todo mundo, deve ter a crença de que existe, ou deve existir outra vida, à nossa frente. Para que serviria eu ter existido, se ficasse inteiramente restrita aqui? Meus maiores sofrimentos neste mundo têm sido os sofrimentos de Heathcliff; fui testemunha deles e senti-os todos, desde o começo. Meu maior cuidado na vida é ele. Se tudo desaparecesse e ele ficasse, eu continuaria a existir. E se tudo o mais ficasse e ele fosse aniquilado, eu ficaria só num mundo estranho, incapaz de ter parte dele. Meu amor por Linton é como a folhagem da mata: o tempo há de mudá-lo como o inverno muda as árvores, isso eu sei muito bem. E o meu amor por Heathcliff é como as rochas eternas que ficam por debaixo do chão; uma fonte de felicidade quase invisível, mas necessária. Nelly, eu sou Heathcliff. Sempre, sempre o tenho em meu pensamento. Não é como um prazer – porque eu também não sou um prazer para mim própria -, mas como o meu próprio ser.


 O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë

31 de maio de 2010

Há verdade em tudo o que um homem sonha


Há verdade, ainda que não haja verossimilhança, em tudo o que um homem sonha. Uma goiabeira em flor, por exemplo, perdida algures entre as páginas de um bom romance, pode alegrar com o seu perfume fictício vários salões concretos.
A mentira - ,explicou, - está por toda a parte. A própria natureza mente. O que é a camuflagem, por exemplo, senão uma mentira? O camaleão disfarça-se de folha para iludir a pobre borboleta.Mente-lhe dizendo, fica tranqüila, minha queria, não vês que sou apenas uma folha muito verde ondulando ao vento? -  e depois atira-lhe a língua, a uma velocidade de seiscentos e vinte e cinco centímetros por segundo, e come-a.
A realidade é dolorosa e imperfeita -, dizia-me: - é essa a sua natureza e por isso a distinguimos dos sonhos. Quando algo nos parece muito belo pensamos que só pode ser um sonho e então beliscamo-nos para termos a certeza de que não estamos a sonhar – se doer é porque não estamos a sonhar. A realidade fere, mesmo quando, por instantes, nos parece um sonho. Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo o que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros.
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Imaginem um rapaz correndo de moto numa estrada secundária. O vento bate-lhe no rosto. O rapaz fecha os olhos e abre os braços, como nos filmes, sentindo-se vivo e em plena comunhão com o universo. Não vê o caminhão irromper do cruzamento. Morre feliz. A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos.

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José Eduardo Agualusa, O vendedor de Passados
Imagem: Parkeharrison

21 de maio de 2010

A Grande Abóbora

Everyone tells me you are a fake, but I belive you.



PS.: If you really are a fake, don't tell me. I don't want to know.

19 de maio de 2010

Palhaço da Boca Verde

Só o amor em linhas gerais infunde simpatia e sentido à história, sobre cujo fim vogam inexatidões, convindo se componham; o amor e seu milhão de significados. [JGR]

12 de maio de 2010

On the sunny side of the street

No entanto, acho que se eu vestir algo que gosto, prender o cabelo e levar os cachorros comigo, me sentirei suficientemente forte para ir até a loja e comprar suco de laranja.

[...] No dia seguinte, ela estava se sentindo melhor, comeu duas vezes e comprou um par de meias.




[Andrew Solomon apud BARBARA, Vanessa. A Hortaliça. n. 82. São Paulo: Hortifruti, abril/2010]

***

21 de abril de 2010

Pecado é não amar




 "Pecado é não amar. Pecado maior é não amar até o fim do amor"


(Fatita de Matos - Agualusa, "As Mulheres do Meu Pai")

15 de abril de 2010

Sofro as asas


"Pouco a pouco, um dia, pude. Apliquei meu coração a isso, vislumbrei entre névoas, em altura longínqua profunda, a minha estrela-da-guarda. Ah, revê-la. lembrou-me algo de maior, imensamente mor - o que podia valer-me. Como surge a esperança? Um ponto, um átimo, um momento. Face a mim, eu. Àquele ponto, agarrei-me, era um mínimo glóbulo de vida, uma promessa imensa. Agarrei-me a ele, que me permitia algum trabalho de consciência. Sofria, de contrair os músculos. Esta esperança me retorna, agora, mais vezes, em certos momentos. É quando me esforço por reunir as células enigmáticas, confiar em que possa, algum dia, conseguir-me a desassombração, levantar o meu desterro. Sofro, mas espero. Antes da experiência, profundamente anímica. Tenho de tresmudar-me. Sofro as asas".

Páramo, in Estas Estórias, João Guimarães Rosa

9 de abril de 2010





"Imortal é o que é do sofrido e espírito; tudo, abaixo daí, é póstumo"


(João Guimarães Rosa)

2 de abril de 2010

Separação

 
[Ana Akhmatova]


Nem semanas nem meses - anos
levamos nos separando. Eis, finalmente,
o gelo da liberdade verdadeira
e as cinzentas guirlandas na fachada dos templos.

Não mais traições, não mais enganos,
e não me terás mais de ficar ouvindo até o amanhecer,
enquanto flui o riacho das provas
da minha mais perfeita inocência.

18 de março de 2010

Brincadeira


(Luiz Tatit)

[...]

Graça para admirar
E a promessa de durar...

Tudo que é bom
Vai melhorar

 [...]

Mas também pode esperar
Mil razões para chorar:
Coração a implorar
A paz

[...]

26 de fevereiro de 2010

O Livro Amarelo do Terminal



Nas horas vagas, Álvaro ganha um salário mínimo demonstrando videoquês nas Casas Pernambucanas. Ele e Matilde revezam-se em “Como é grande o meu amor por você”. Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito. O Álvaro, sempre calmo e sorridente, aprecia as paisagens bucólicas na tela enquanto pensa: podia ser um tenor barrigudo espanhol, ah se podia. Daqueles que abrem os braços e cantam como loucos.
O sonho de Matilde é deitar em cima de um piano, vestida de vermelho, e flertar com o microfone.
[76]

Ou então: Álvaro é infeliz. Passa os dias imóvel, preso em uma jaula e envolto por correntes que atam seus pulsos à parede. Álvaro não vê o sol; não come, não dorme e costuma chorar durante meses a fio. Só narra os avisos sonoros no microfone do Tietê quando o fustigam com um espeto de churrasco.
[77]


Talvez Álvaro ganhe meias no Natal. Sua esposa é secretária e cuida dos três filhos: um loiro, o outro teimoso e um que tem terríveis dores de garganta porque ainda não tirou as amídalas. Ele acorda sempre às seis da manhã, compra bisnagas de leite, tira o Uno da garagem e vai trabalhar na sala de controle do terminal do Tietê. Álvaro não gosta do serviço, já que é obrigado a repetir as mesmas coisas com aquela voz monocórdia e formal; ele queria mesmo é poder cantar antigos boleros em frente à estação do metrô, junto a três velhinhos cegos e um cão triste.
[77]


 Vanessa Bárbara, O Livro Amarelo do Terminal

23 de fevereiro de 2010

16 de fevereiro de 2010

Quase

 

[Luiz Tatit]

Desde que cheguei aqui tive que me decidir. Vou ficando, vou vivendo ou devo partir? Fui ficando, fui vivendo, fui partir.. era muito tarde! Quase que parto (mas estava inseguro), quase que embarco num sonho maduro. Quase me curo, quase, eu juro! Quase dou um grande salto para o futuro.

Fiquei no caminho (faltou só um pouquinho).

Nunca estive tão perto de ser feliz... olha!, só não deu certo porque eu não quis: vi a sorte a um palmo do meu nariz.


(...)

Quase fiz tudo certo pra ser feliz... quase que eu fiz de tudo mas eu não fiz! 
Quase alcancei a glória... foi por um triz..

Quase!

10 de fevereiro de 2010

it may not always be so; and i say

 


it may not always be so; and i say

[e.e. cummings]

it may not always be so; and i say
it may not always be so; and i say
that if your lips, which i have loved, should touch
another's, and your dear strong fingers clutch
his heart, as mine in time not far away;
if on another's face your sweet hair lay
in such a silence as i know, or such
great writhing words as, uttering overmuch,
stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be, i say if this should be-
you of my heart, send me a little word;
that i may go unto him,and take his hands,
saying,
Accept all happiness from me.
Then shall i turn my face, and hear one bird
sing terribly afar in the lost lands.

8 de fevereiro de 2010

Tudo pra ser feliz


Eu tinha tudo pra ser feliz
Segundo grau completo
Curso de datilografia
Uma passagem de ônibus
Pra outro lugar do país

(...)

[Totonho e os "Cabra"]

Imagem: exploding dog: http://www.explodingdog.com/

24 de janeiro de 2010

I want to be Evil




I've posed for pictures with Iv'ry Soap,
I've petted stray dogs, and shied clear of dope
My smile is brilliant, my glance is tender
But I'm noted most for my unspoiled gender

I've been made Miss Reingold, though I never touch beer,
And I'm the person to whom they say, "Your sweet, My Dear."
The only etchings I've seen have been behind glass,
And the closest I've been to a bar, is at ballet class.

Prim and proper, the girl who's never been cased,
I'm tired of being pure and not chased.
Like something that seeks it's level
I wanna go to the devil.

...


I wanna be evil, I wanna spit tacks
I wanna be evil, and cheat at jacks
I wanna be wicked, I wanna tell lies
I wanna be mean, and throw mud pies

I want to wake up in the morning
with that dark brown taste
I want to see some dissipation in my face
I wanna be evil, I wanna be mad
But more that that I wanna be bad

I wanna be evil, and trump an ace,
Just to see my partner's face.
I wanna be nasty, I wanna be cruel
I wanna be daring, I wanna shoot pool

And in the theatre
I want to change my seat
Just so I can step on
Everybody's feet

I wanna be evil, I wanna hurt flies
I wanna sing songs like the guy who cries
I wanna be horrid, I wanna drink booze
And whatever I've got I'm eager to lose

I wanna be evil, little evil me
Just as mean and evil as I can be


30 de dezembro de 2009

Nasrudin - Desejos


D e s e j o s


A festa reuniu todos os discípulos de Nasrudin. Comeram e beberam durante muitas horas, sempre a conversar sobre a origem das estrelas e dos propósitos da vida. Quando já era quase de madrugada, preparavam-se todos para voltar para as suas casas. Restava um belo prato de doces sobre a mesa. Nasrudin obrigou os seus discípulos a comê-lo. Um deles, porém, recusou:
- O mestre está-nos a testar. Quer ver se conseguimos controlar os nossos desejos.
- Estás enganado. A melhor maneira de dominar um desejo, é vê-lo satisfeito. Prefiro que vocês fiquem com o doce no estômago do que no pensamento, que deve ser usado para coisas mais nobres.

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28 de dezembro de 2009

Muito Romântico



Não tenho nada com isso nem vem falar
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que eu não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu
Acho que nada restou pra guardar
Do muito ou pouco que ouve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa eu não douro a pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior
Com todo o mundo podendo brilhar no cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico

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(Caetano, porque estou numa fase mais racional que passional.. ando mais "velosiana" que "buarqueana" )