25 de julho de 2008

Qu'est-ce-que ça peut faire


[Benjamin Biolay]

Qu'est-ce-que ça peut faire,
De savoir qu'été comme hiver,
Tu vas me manquer.

Qu'est-ce-que ça peut faire,
De savoir qu'on s'est fait la guerre,
Qu'on s'est fait la paix.

Qu'est-ce-que ça peut foutre,
Qu'est-ce-que ça peut faire.

Qu'est-ce-que ça peut faire,
Que tu jettes la tête en arrière,
Que je sois sonné.

Qu'est-ce-que ça peut faire,
Toutes ces parties de jambes en l'air,
Ces actes manqués.

Qu'est-ce-que ça peut foutre,
Qu'est-ce-que ça peut faire.

Au bout de la route,
Il n'y a qu'un désert.

Qu'est-ce-que ça peut faire,
De voir qu'tu n'as rien de mieux à faire,
Que de m'écouter.

Oh dis moi Qu'est-ce-que ça peut faire,
Qu'on oublie les prélimiaires.
Qu'on laisse allumé.

Qu'est-ce-que ça peut foutre,
Qu'est-ce-que ça peut faire.

Qu'est-ce-que ça peut faire,
Qu'il y ait cette beauté sur la terre,
Si tout dois brûler.

Oh dis moi qu'est-ce-que ça peut faire,
Qu'il y ait un solstice en hiver,
Et l'autre en été.

Qu'est-ce-que ça peut foutre,
Qu'est-ce-que ça peut faire.

Puisqu'au bout de la route,
Il n'y a qu'un désert.

Vas-y demande à la poussière.

Il y a cette lumière,
Qui ne s'éteint jamais,
Comme un Cerbère,
Aux abords de la mer.

Il y a cette lumière,
Qui ne s'éteint jamais,
Comme un révèrbère,
Comme les feux d'un loquet.

Qu'est-ce-que ça peut faire,
Qu'il y ait des stations balnéaires,
Dans mon verre à pied.

Oh dis moi qu'est-ce-que ça peut faire,
Que je te voie le ventre à l'air,
Ou les yeux cernés.

Qu'est-ce-que ça peut foutre,
Qu'est-ce-que ça peut faire.

Puisqu'au bout de la route,
Il n'y a qu'un désert.

Qu'est-ce-que ça peut foutre,
Qu'est-ce-que ça peut faire.

Puisqu'au bout de la route,
Il n'y a qu'un grand désert.
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21 de julho de 2008

Sudoeste


[Adriana Calcanhotto / Jorge Salomão]

... tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...

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18 de julho de 2008

Rebeca

Não era estranho o seu hermetismo. Embora parecesse expansiva e cordial, tinha um temperamento solitário e um coração impenetrável. Era uma adolescente esplêndida, de ossos largos e firmes, mas se obstinava em continuar usando a cadeirinha de balanço com que chegou à casa, muitas vezes reforçada e e já desprovida de braços. Ninguém havia descoberto que ainda nessa época conservava seu hábito de chupar o dedo. Por isso, não perdia ocasião de se fechar no banheiro, e tinha adquirido o costume de dormir com a cara virada para a parede. Nas tardes de chuva, bordando com um grupo de amigas na varanda das begônias, perdia o fio da conversa e uma lágrima de saudade lhe salgava o céu da boca quando via as faixas de terra úmida e os montículos de barro construídos pelas minhocas no jardim. Estes prazeres secretos, vencidos em outros tempos pelas laranjas com ruibarbo, irromperam num desejo irremprimível quando começou a chorar. Voltou a comer terra. Da primeira vez, fê-lo quase por curiosidade, certa de que o gosto ruim seria o melhor remédio contra a tentação. E, com efeito não pode suportar a terra na boca. Mas, insistiu, vencida pela ânsia crescente, e pouco a pouco foi satisfazendo o apetite ancestral, o gosto pelos minerais primários, a satisfação sem par do alimento original. Jogava punhados de terra nos bolsos e os comia aos grãozinhos, sem ser vista, com um confuso sentimento de felicidade e raiva, enquanto adestrava suas amigas nos pontos mais difíceis e conversava sobre outros homens que não mereciam o sacrifício de que se comesse por eles a cal das paredes. Os punhados de terra faziam menos remoto e mais certo o único homem que merecia aquela degradação, como se o chão que ele pisava com as suas finas botas de verniz em outro lugar do mundo, transmitisse a ela o peso e a temperatura do seu sangue, num sabor mineral que deixava uma cinza áspera na boca e um sedimento de paz no coração.

Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão, p. 66
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7 de julho de 2008

Ergue-te ao Sol


Madredeus

"a vida é muito mais do que a soma do que queremos"

Quando acordares, olha para mim. Quero que vejas o que eu já vi. Vi na memória de um homem bom que há muito tempo ouviu um som (que se perdeu)... Que som foi esse que aconteceu? Foi uma voz que nos chamou, nos alertou? Disse que a vida é muito mais do que a soma do que queremos (quanto mais temos). Anda comigo e sente a razão! Olha em frente e lá está o teu irmão. Dá-lhe a tua mão. Ergue-te ao Sol, brilha e canta a canção. Do que ela fala? É de uma revolução: a do coração. Quando acordares, olha para mim. Há outra vida que vive em ti - foi o que eu vi. Vi que há cá, dentro dentro de nós, alguém que canta e só se ouve se estamos sós. Quando acordares, olha para mim. Pensa que um dia vai ser diferente para toda a gente.

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2 de julho de 2008

Poema 17


Tasso da Silveira

Esquece o tempo. O tempo não existe.
Acende a chama às límpidas lanternas.
Nossas almas, a ansiar no mundo triste,
são de uma mesma idade: são eternas.

Se no meu rosto lês mortais cansaços,
é natural. A luta foi renhida:
caminhei tantos passos, tantos passos
para que te encontrasse em minha vida...

Não medites o tempo. Se muito antes
de ti cheguei, para a áspera, inclemente
sina de navegar por este mar,

foi para que tivesse olhos orantes,
e me purificasse longamente
na infinita aflição de te esparar...

imagem: gavarni

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Noturno

Tasso da Silveira
Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?

Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

imagem: Parkeharrison
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24 de junho de 2008

O curso do rio


Um velho homem bêbado acidentalmente caiu nas terríveis corredeiras de um rio que levavam para uma alta e perigosa cascata. Ninguém jamais tinha sobrevivido àquele rio.
Algumas pessoas que viram o acidente temeram pela sua vida, tentando desesperadamente chamar a atenção do homem que, bêbado, estava quase desmaiado.
Mas, miraculosamente, ele conseguiu sair salvo quando a própria correnteza o despejou na margem em uma curva do rio. Ao testemunhar o evento, Kung Fu Tzu (Confúcio) comentou para todas as pessoas que diziam não entender como o homem tinha conseguido sair de tão grande dificuldade sem luta:

-- Ele se acomodou à água, não tentou lutar contra ela. Sem pensar, sem racionalizar, ele permitiu que a água o envolvesse. Mergulhando na correnteza, conseguiu sair dela e assim foi como conseguiu sobreviver.
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18 de junho de 2008

Não eu, mas mim.




(...) a traça não pode com a alfazema.

Sua perene lembrança - me reobriga. O afeto propõe fortes e miúdas reminiscências.

(...) fino, estranho, inacabado, é sempre o destino da gente.

Como cabe tanta coisa nos meus olhos?

Coração, é indispensável; todos sentimos por quê. O dever, mesmo, vem dele. Entanto que dever e pudor compelem-no a pelejar oculto.

"Melhor é acreditar que uma harmonia secreta domina..." (Adelmar Tavares)

Ele era bom. Será que faz ainda sentido a palavra?

"Dou muita importância às pequenas coisas; mais do que às grandes." (João Neves da Fontoura, o Ministro)

"Não o conhecia bem, mas, num lampejo ocasional, ele me apareceu como a pessoa de que precisava junto de mim." (o Ministro, novamente)

Muito junto do braseiro, gente há às vezes que não se aquece direito, mas corre risco de sapecar a roupa.

Esperar é dar-se em hipoteca.

"
Toda segurança é aparente, todo bem-estar terrivelmente interino." (João Neves)

"
Meu interesse, sincero, pela imensa e imedida individualidade de Vargas, motivava-se também no querer achar, em sã hipótese, se era por dom congênito, ou de maneira adquirida mediante estudo e adestramento, que ele praticava o wu wei - 'não-interferência', a norma da fecunda inação e repassado não-esforço de intuição - passivo agente a servir-se das excessivas forças em torno e delas recebendo tudo pois 'por acréscimo'." (Cordisburgo, sobre Vargas)

"Enigma nenhum, apenas um fatalista de sorte..." (o Ministro, sobre Vargas)

Lembremo-nos sempre do que ainda não houve.

(...)
substância amorfa e escolhedora - o tempo.

Esta horária vida não nos deixa encerrar parágrafos, quanto mais terminar capítulos.

"As coisas estão amarradinhas é em Deus" (Vovó Chiquinha e Vovó Graciana)

(...)
a transparência pressupõe fundo luminoso.

"Sonhos ou realidade? Será que a gente vê mesmo, com exatidão, as pessoas e as coisas?"

(...)
poesia é remédio contra sufocação.

Tudo, pela metade, é verdade. Os extremos já de si sempre se tocam, antes que tese e antítese se proponham.

Da sensibilidade e inteligência tem-se sempre de pagar ingrato preço.

Quem julga? Apreendeu já alguém, sobre o fluxo dos fenômenos e dar-se de valores instantâneos, a ortografia das tortas linhas altas?

(...)
o viver vai maior e mais ligeiro que a gente.

"A vida é uma série crescente de restrições" (Neves da Fontoura)

E envelhecia bem; isto é, tomava posse do passado. O passado também é urgente. (Sagarana, sobre o Ministro)

"Ninguém muda ninguém..." - não julgava. Usava e dava a esperança. (Mais uma vez Joãozito acerca do Ministro)

Imortal é o que é do sofrido e espírito; tudo, abaixo daí, é póstumo.

As coisas que ele me disse não se afastam com o tempo.

"a ação é um enfraquecimento da contemplação"

Pois não descendemos dos mortos?

(...) arriscado e conturbante é a gente se tirar das solidões fortificadas.

As pessoas não morrem, ficam encantadas.

O mundo é mágico.


- Pérolas do discurso de posse de João Guimarães Rosa na Academia Brasileira de Letras -

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Die in Love if you want to remain alive


Reason is powerless in the expression of Love. Love alone is capable of revealing the truth of Love and being a Lover. The way of our prophets is the way of Truth. If you want to live, die in Love; die in Love if you want to remain alive.
{Rumi}
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13 de junho de 2008

E daí?


[Miguel Gustavo - cantada por Gal Costa]

Proibiram que eu te amasse. Proibiram que eu te visse. Proibiram que eu saísse e perguntasse a alguém por ti. Proibam muito mais! Preguem avisos, fechem portas, ponham guisos! Nosso amor perguntará: e daí? E daí?

Daí, por mais cruel perseguição, eu continuo a te adorar.Ninguém pode parar meu coração... que é teu. Que é todo teu.

-> novelas das 6 são o máximo!

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12 de junho de 2008

Vita somnium breve


Há as horas medonhas da noite. Já disse que a insônia me persegue. isto é, às vezes durmo. O mais, é um desaver, pausa pós-pausa.

[...]

Mas ocorre-me, mais que mais, aquele outro estado, que não é de viva vigília, nem de dormir, nem mesmo o de transição comum - mas é como se o meu espírito se soubesse a um tempo em diversos mundos, perpassando-se igualmente em planos entre si apartadíssimos.

[...]

Pinto aquele da 12ª lâmina do Tarô: o homem enforcado - o sacrifício, voluntário, gerador de forças. Esse, é o que me representa.

[...]

Sofro, mas espero. Antes de experiência, profundamente anímica. Tenho de tresmudar-me. Sofro as asas.

[...]


Guimarães Rosa, em Páramo (Estas Estórias) - imagem: Vita somnium breve, Boecklin
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9 de junho de 2008


[Rumi]

A lover asked his beloved,
Do you love yourself more
than you love me?

The beloved replied,
I have died to myself
and I live for you.

I’ve disappeared from myself
and my attributes.
I am present only for you.

I have forgotten all my learning,
but from knowing you
I have become a scholar.

I have lost all my strength,
but from your power
I am able.

If I love myself
I love you.
If I love you
I love myself.
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8 de junho de 2008

Curso intensivo de boas maneiras


Tom Zé.

"Fique à vontade!"
"Tchau, good bye"
"Ainda é cedo"
"Alô, como vai?"
Com Marcelino vou estudar
Boas maneiras
Pra me comportar.
Primeira lição: deixar de ser pobre,
Que é muito feio.
Andar alinhado
E não freqüentar, assim, qualquer meio.
Vou falar baixinho,
Serenamente, sofisticadamente,
Para poder com gente decente
Então conviver.

Da nobre campanha
Contra o desleixo
Vou participar
Pela elegância e a etiqueta
Vou me empenhar
Entender de vinhos, de salgadinhos,
Esnoberrimamente,
Trazer o país
sob um requinte intransigente.

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7 de junho de 2008

o que o homem quer de verdade, quer agora.

" o valor supremo não é o futuro, mas sim o presente; o futuro é um tempo falaz que sempre nos diz 'ainda não está na hora' e assim nos nega. O futuro não é o tempo do amor: o que o homem quer de verdade, quer agora. Quem constrói a casa da felicidade futura edifica o cárcere do presente. "


Octavio Paz, em "O Labirinto da Solidão"
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imagem: Klimt, Nude Veritas.

...

4 de junho de 2008

Madrugada

[Octavio Paz]

Rápidas manos frías
retiran una a una
las vendas de la sombra
Abro los ojos
todavía
estoy vivo
en el centro
de una herida todavía fresca.


in "Dias Hábiles", El fuego de cada día
...

31 de maio de 2008

O que é o espaço?


[Ana Hatherly]

O que é o espaço
senão o intervalo
por onde
o pensamento desliza
imaginando imagens?

O biombo ritual da invenção
oculta o espaço intermédio
o interstício
onde a percepção se refracta

Pelas imagens
entramos em diálogo
com o indizível
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30 de maio de 2008

Onde Anda Você


(Vinicius de Moraes / Hermano Silva)


E por falar em saudade
Onde anda você
Onde andam os seus olhos
Que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto
De tanto prazer

E por falar em beleza
Onde anda a canção
Que se ouvia na noite
Dos bares de então
Onde a gente ficava
Onde a gente se amava
Em total solidão

Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares
Que apesar dos pesares
Me trazem você

E por falar em paixão
Em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares
Na noite, nos bares
Onde anda você
...

28 de maio de 2008

Era assim:



[Ana Hatherly]

era assim:

queres?
queres algo?
queres desejar?
desejas querer?
desejas-me?
desejas querer-me?
queres desejar-me?
queres querer-me?
queres que te deseje?
desejas que te queira?
queres que te queira?
                                                         quanto me
queres?
quanto me
desejas?
                   ah   quanto te quero
quando te quero
quando me queres...


in: um calculador de improbabilidades
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24 de maio de 2008

Felicidade

[Luiz Tatit]

Não sei porque eu tô tão feliz! Não há motivo algum pra ter tanta felicidade... Não sei o que que foi que eu fiz. Se eu fui perdendo o senso de realidade... Um sentimento indefinido foi me tomando ao cair da tarde. Infelizmente era felicidade. Claro que é muito gostoso, claro! Claro que eu não acredito: felicidade assim, sem mais nem menos, é muito esquisito!

Não sei porque eu tô tão feliz. Preciso refletir um pouco e sair do barato. Não posso continuar assim, feliz, como se fosse um sentimento inato, sem ter o menor motivo, sem uma razão de fato! Ser feliz assim é meio chato... E as coisas nem vão muito bem: perdi o dinheiro que eu tinha guardado e, pra completar, depois disso eu fui despedido e estou desempregado! Amor, que sempre foi meu forte? Não tenho tido muita sorte. Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida. E feliz da vida!!!

Não sei por que eu tô tão feliz! Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade... Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade. A conclusão veio depressa e sem nenhuma novidade: o meu problema era felicidade. Não fiquei desesperado, não. Fui até bem razoável. Felicidade - quando é no começo - ainda é controlável.

Não sei o que foi que eu fiz pra merecer estar radiante de felicidade. Mais fácil ver o que não fiz: fiz muito pouca aqui pra minha idade. Não me dediquei a nada: tudo eu fiz pela metade, por que então, tanta felicidade? E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado, que eu sou egoísta. Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética e faz uma lista! Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade. Independente dos deslizes dentre todos os felizes... Sou o mais feliz!

Não sei por que eu tô tão feliz. E já nem sei se é necessário ter um bom motivo! A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo. Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser conseqüente. Mas desisti, vou ser feliz pra sempre! Peço a todos: com licença, vamos liberar o pedaço? Felicidade assim desse tamanho só com muito espaço!

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