2 de setembro de 2009

Cariocas


Adriana Calcanhotto

[ para Marcelo Pies ]

[e eu ofereço aos 3 cariocas que estão fazendo minha alegria nessa semana]


Cariocas são bonitos
Cariocas são bacanas
Cariocas são sacanas
Cariocas são dourados
Cariocas são modernos
Cariocas são espertos
Cariocas são diretos
Cariocas não gostam de dias nublados

Cariocas nascem bambas
Cariocas nascem craques
Cariocas têm sotaque
Cariocas são alegres
Cariocas são atentos
Cariocas são tão sexys
Cariocas são tão claros
Cariocas não gostam de sinal fechado

1 de setembro de 2009

Acabou chorare



Novos Baianos

[por essa semana com essas pessoas doces]

-

Acabou chorare, ficou tudo lindo
De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé
No bu bu li li, no bu bu li lindo
No bu bu bolindo
No bu bu bolindo
No bu bu bolindo

Talvez pelo buraquinho, invadiu-me a casa, me acordou na cama
Tomou o meu coração e sentou na minha mão

Abelha, abelhinha...

Acabou chorare, faz zunzum pra eu ver, faz zunzum pra mim

Abelho, abelhinho escondido faz bonito, faz zunzum e mel
Faz zum zum e mel
Faz zum zum e mel

Inda de lambuja tem o carneirinho, presente na boca
Acordando toda gente, tão suave mé, que suavemente
Inda de lambuja tem o carneirinho, presente na boca
Acordando toda gente, tão suave mé, que suavemente

Abelha, carneirinho...

Acabou chorare no meio do mundo
Respirei eu fundo, foi-se tudo pra escanteio
Vi o sapo na lagoa, entre nessa que é boa

Fiz zunzum e pronto
Fiz zum zum e pronto
Fiz zum zum

26 de agosto de 2009

it may not always be so; and i say







t may not always be so; and i say
by: e.e. cummings

it may not always be so;and i say
that if your lips,which i have loved,should touch
another's,and your dear strong fingers clutch
his heart,as mine in time not fara away;
if on another's face your sweet hair lay
in such a silence as i know,or such
great writhing words as,uttering overmuch,
stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be,i say if this should be--
you of my heart,send me a little word;
that i may go unto him,and take his hands,
saying,Accept all happiness from me.
Then shall i turn my face,and hear one bird
sing terribly afar in the lost lands.

[i hope my foreign visitors like it!]

image and poetry by cummings


Pelo lume, pela volúpia

"vou moer teu cérebro. vou retalhar tuas

coxas imberbes & brancas.

vou dilapidar a riqueza de tua

adolescência. vou queimar teus

olhos com ferro em brasa.

vou incinerar teu coração de carne &

de tuas cinzas vou fabricar a

substância enlouquecida das

cartas de amor." (20 Poemas com Brócoli, 1981)


roberto piva.

25 de agosto de 2009

Poemas em desordem


[todos encontrados na Confraria do Vento: http://www.confrariadovento.com/]



Não existem as cidades,

são nossas viagens que criam roteiros-mapas de superfície luminosa.
As cidades não existem,
só os encontros são reais,
as prolongadas conversas capazes de transformar qualquer lugar em praia deserta ao anoitecer.

(Cláudio Willer)

...


Eco de Lawrence Durell

Nada está perdido
para sempre amada

o que não se disse
restou
no coração — música
sob o silêncio
eco onipresente — pássaro
indecolável



max martins


...

6 poemas instrumentais



I


Trata-se de modular o corpo,
quase imperceptivelmente,
para o reconhecimento da alma
esquecida talvez em outro lugar.
De uma prova que exige
alguma concentração, sobretudo
das partes dormidas.


II


Trata-se agora de saber encaixar
a falta de tempo com o espaço
que resta: de introduzir o adentro
afora. Dois tempos ou dois
espaços, como quando as coisas
e seu perfume coincidem.


III


Trata-se também de manter
uma distância conveniente,
talvez vários centímetros para
não chegar onde não se pode.
Um gesto leve apenas, como
uma respiração, pode mudar
a paisagem, como quando a pele
regressa a uma fonte mais antiga,
que já não pertence a ninguém.


IV


Trata-se de esquecer ainda
que se escreve, sobre papel
pautado, parte do prometido,
sem mais peso que a consciência
no território da pele, para
que as palavras chovam.
Por o preço de cada imagem,
vive-se, paga-se.


V

Trata-se de esperar assim,
das próprias estrias,
um atenuante de si mesmo,
uma fissura. Outra figura
de calma chamada a pensar
a arte da solidão. Porque faz parte
do conhecimento, ser recortado
pela câmara anônima
dos dias e das vozes.
Os ecos valem.


VI

Trata-se de uma prova mais
de resistência, ao olhar
encontrado de outro dia
que não quer saber nada
do alvo imaginado.
O verso está aberto
contra a parede, pedindo
sua mais terna pontaria.

adolfo montejo navas

17 de agosto de 2009

Java


[Cortázar]

Nos quedaremos solos y será ya de noche.
Nos quedaremos solos mi almohada y mi silencio
y estará la ventana mirando inútilmente
los barcos y los puentes que enhebran sus agujas.

Yo diré: Ya es muy tarde.
No me contestarán ni mis guantes ni el peine,
solamente tu olor, tu perfume olvidado
como una carta puesta boca abajo en la mesa.
Morderé una manzana fumaré un cigarrillo
viendo bajar los cuernos de la noche medusa
su vasto caracol forrado en terciopelo.

Y diré: Ya es de noche
y estaremos de acuerdo, oh muebles oh ceniza
con el organillero que remonta en la esquina
los tristes esqueletos de un pez y una amapola.
C'est la java de celui qui s'en va -
Es justo, corazón, la canta el que se queda,
la canta el que se queda para cuidar la casa.

http://barradosporlaspalabras.blogspot.com/2008/11/java-cortzar.html

9 de agosto de 2009

[Rumi, again]



REMEMBERED MUSIC

'Tis said, the pipe and lute that charm our ears
Derive their melody from rolling spheres;
But Faith, o'erpassing speculation's bound,
Can see what sweetens every jangled sound.

We, who are parts of Adam, heard with him
The song of angels and of seraphim.
Out memory, though dull and sad, retains
Some echo still of those unearthly strains.

Oh, music is the meat of all who love,
Music uplifts the soul to realms above.
The ashes glow, the latent fires increase:
We listen and are fed with joy and peace.

R. A. Nicholson

'Persian Poems', an Anthology of verse translations
edited by A.J.Arberry, Everyman's Library, 1972
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Soul receives from soul that knowledge, therefore not by book

nor from tongue.

If knowledge of mysteries come after emptiness of mind, that is

illumination of heart.


"Say I am You" Coleman Barks Maypop, 1994


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8 de agosto de 2009

Nave, ave, moinho


Trovas de muito amor para um amado senhor


[Hilda Hilst]


Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso caminho.


(imagem: vollotton)

2 de agosto de 2009

GS:V


(sobre o amor de olhos verdes)

... aqueles esmerados esmartes olhos, botados verdes, de folhudas pestanas, luziam um efeito de calma, que até me repassasse...

Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender - e acho que é por isso que a gente morre.

no verde dos seus olhos é que pula o menino do riso...

(guimarães rosa)

You're gonna make me lonesome when you go



(I could stay with you forever
And never realize the time)

Situations have ended sad,
Relationships have all been bad.
Mine've been like Verlaine's and Rimbaud.
But there's no way I can compare
All those scenes to this affair,
Yer gonna make me lonesome when you go.

Yer gonna make me wonder what I'm doin',
Stayin' far behind without you.
Yer gonna make me wonder what I'm sayin',
Yer gonna make me give myself a good talkin' to.

I'll look for you in old Honolulu,
San Francisco, Ashtabula,
Yer gonna have to leave me now, I know.
But I'll see you in the sky above,
In the tall grass, in the ones I love,
Yer gonna make me lonesome when you go.



* já postei essa música aqui num outro contexto... estranho. Não sei se é porque hoje é domingo e me sinto triste... mas tenho uma intuição ruim... tenho medo das coisas que acabam. Tenho medo. Tenho muito medo do fim (embora nada indique que ele esteja vindo).

1 de agosto de 2009

A formiguinha e a neve


Certa manhã de inverno, uma formiguinha saiu para o seu trabalho diário. Já ia muito longe à procura de alimento quando um floco de neve caiu (plic!), e prendeu o seu pezinho.

Aflita, vendo que não podia se livrar da neve, iria, sim, morrer de fome de frio, voltou-se para o Sol e disse:

- Ó Sol. Tu que és tão forte, derrete a neve que prende o meu pezinho.

E o Sol, indiferente nas alturas, falou:

- Mais forte do que eu é o muro que me tapa.

Olhando, então, para o muro, a formiguinha pediu:

- Ó, Muro. Tu que és tão forte, que tapas o Sol, que derrete a neve, desprende meu pezinho.

E o Muro, que nada vê e muito pouco fala (?), respondeu apenas:

- Mais forte do que eu é o rrrato que me rrrói.

Voltando-se, então, para um ratinho que passava apressado (música de coisas fofinhas), a formiguinha suplicou:

- Ó Rato, tu que és tão forte, que róis o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.

Mas o Rato, que também ia fugindo do frio, gritou de longe:

- Mais forte do que eu é o gato que me come!

Já cansada, a formiguinha pediu ao Gato:

- Ó Gato, tu que és tão forte, que come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho...

E o Gato, sempre preguiçoso, disse, bocejando:

- Mais forte do que eu é o Cão que me persegue.

Aflita e chorosa, a formiguinha pediu ao cão:

- Ó Cão, tu que és tão forte, que persegues o gato, que come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.

E o cão, que ia correndo atrás de uma Raposa, respondeu, sem parar:

- Mais forte do que eu é o Homem que me bate.

Já quase sem forças, sentindo o coração gelado de frio, a formiguinha implorou ao homem:

- Ó Homem, tu que és tão forte, que bates no cão que persegue o gato que come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.

E o Homem, sempre preocupado com o seu trabalho, respondeu apenas:

- Mais forte do que eu é a Morte que me mata.

Trêmula de medo, olhando para a Morte que se aproximava, a pobre formiguinha suplicou:
- Ó Morte, tu que és tão forte, que matas o homem, que bate no cão que persegue o gato que come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.

E a Morte, impassível, respondeu:

- Mais forte do que eu é Deus, que me governa.

Quase morrendo, então a formiguinha rezou baixinho:

- Meu Deus, tu que és tão forte, que governas a morte, que mata o homem que bate no cão que persegue o gato que come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.

E Deus, então, que ouve todas as preces, sorriu, estendeu a mão por cima das montanhas e disse:

(som de coisas terríveis, eco, voz aterrorizante)

- Deixa de ser besta e levanta a pata...


[roubado da hortaliça vanessa bárbara: http://www.hortifruti.org/zines/032.htm]

24 de julho de 2009

e me retirei com pés de lã...




O meu coração, meu coração
Meu coração parece que perde um pedaço, mas não
Me leve a sério
Passou este verão
Outros passarão
Eu passo

[leve, chico buarque - imagem de 'in the mood for love', do wong kar wai]

Sem Você


[Chico Buarque e Tom Jobim]

Sem você
Sem amor
É tudo sofrimento
Pois você
É o amor
Que eu sempre procurei em vão
Você é o que resiste
Ao desespero
E à solidão
Nada existe
E o tempo é triste
Sem você
Meu amor
Meu amor
Nunca te ausentes de mim
Para que eu viva em paz
Para que eu não sofra mais
Tanta mágoa assim
No mundo sem você

19 de julho de 2009

Tudo novo de novo


[clichê, mas tem meu espírito]

Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim

Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim

(...)

Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou

(...)

imagem: olbinski, apple trees

14 de julho de 2009

Outra era


[fagner e zeca baleiro na voz de ceumar]

Quando a vida me leva
Pra longe do meu bem
Fico parecendo um trilho
Onde não passa trem
Olho pro céu e o céu é mais além
Miro o espelho e não vejo ninguém
Tambor dentro do peito, coração manera
Pára de chover que já é primavera
A manhã já vem e parece quimera
Mera fantasia de quem só espera
Se eu não morrer, eu vou te ver
‘manhã, depois, em outra era
Em Tel Aviv, Bagdá, Brasília
A saudade ilha
E quem dera eu fosse o mar, quem dera
Em Fortaleza, Pequim, Bora-Bora
A tristeza chora
Quem dera eu pudesse te beijar agora


[não sei de quem é a foto bonita]

4 de julho de 2009

Mamihlapinatape


Mamihlapinatapei: de um idioma indígena da Terra do Fogo, quer dizer o "ato de olhar nos olhos do outro, na esperança de que o outro inicie o que ambos desejam mas nenhum tem coragem de começar".

[o cúmulo do ctrl c + ctrl + v -> por Sérgio Augusto, na revista Bravo, mas copiei da Hortaliça da Vanessa Bárbara]

imagem: Peynet


30 de junho de 2009

24 de junho de 2009

O Túnel




Ernesto Sábato



Em todo o caso havia um só túnel, obscuro e solitário: o meu, o túnel em que havia transcorrido minha infância, minha juventude, toda a minha vida. E num desses trechos transparentes do muro de pedra eu divisara esta mulher e crera ingenuamente que vinha do outro túnel paralelo ao meu, quando na realidade pertencia ao imenso mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez se tivesse acercado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e entrevisto o espetáculo de minha irremediável solidão, ou lhe houvesse intrigado a linguagem muda, a chave do meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre pelo meu corredor, ela vivia lá fora sua vida normal, a vida agitada das pessoas que vivem do lado de fora, essa vida curiosa e absurda onde há bailes e festas e alegria e frivolidade. E às vezes sucedia que, quando eu passava defronte de uma de minhas janelas, ela estava esperando-me muda e ansiosa (por que esperando? e por que muda e ansiosa?); mas às vezes sucedia ela não chegar a tempo ou se esquecer deste pobre ser encarcerado, e então eu, com o rosto colado ao muro de vidro, via-a ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e imaginava-a em lugares inacessíveis ou torpes. E então sentia ser o meu destino infinitamente mais solitário do que havia concebido.

23 de junho de 2009

El Futuro



Julio Cortázar, em Salvo el Crepusculo

Y sé muy bien que no estarás.
No estarás en la calle, en el murmullo que brota de noche
de los postes de alumbrado, ni en el gesto
de elegir el menú, ni en la sonrisa
que alivia los completos en los subtes,
ni en los libros prestados ni en el hasta mañana.

No estarás en mis sueños,
en el destino original de mis palabras,
ni en una cifra telefónica estarás
o en el color de un par de guantes o una blusa.
Me enojaré, amor mío, sin que sea por ti,
y compraré bombones pero no para ti,
me pararé en la esquina a la que no vendrás,
y diré las palabras que se dicen
y comeré las cosas que se comen
y soñaré los sueños que se sueñan
y sé muy bien que no estarás,
ni aquí adentro, la cárcel donde aún te retengo,
ni allí fuera, este río de calles y de puentes.
No estarás para nada, no serás ni recuerdo,
y cuando piense en ti pensaré un pensamiento
que oscuramente trata de acordarse de ti.


imagem: Vilhelm Hammershoi